O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, garantiu que o governo brasileiro “não efetivaria nenhuma política de cooperação militar com o Estado de Israel neste momento” e que “não daria consequência aos acordos assinados durante o governo anterior [do ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2022)].
A declaração ocorreu durante uma reunião do chanceler com deputados federais nesta quarta-feira (13/12) em Brasília. A Opera Mundi, o parlamentar Glauber Braga (PSOL-RJ) afirmou que essa foi a promessa de Vieira quando questionado acerca da posição oficial do governo brasileiro em relação aos acordos de segurança e militares que o governo Bolsonaro firmou com Israel.
“Houve uma conversa na entrega da carta e a minha pergunta ao ministro foi sobre a posição oficial do governo brasileiro sobre a revogação dos acordos de cooperação com Israel. Ele disse que o governo não efetivaria nenhuma política de cooperação militar neste momento com o Estado de Israel. Agora a nossa expectativa é que isso se transforme em uma posição política e a formalização de uma linha com essa orientação”, declarou Braga.
A reunião na capital federal brasileira foi organizada com o intuito que uma carta assinada por mais de 60 parlamentares abordando a situação em Gaza, em meio às ofensivas de Israel, fosse entregue ao ministro do presidente Lula.
De acordo com a deputada e articuladora da reunião Fernanda Melchionna (PSOL-RS), também a Opera Mundi, o ministro “falou que ia conversar com o presidente Lula sobre as demandas apresentadas pelos deputados”.
No encontro sediado na Câmara dos Deputados, também estavam presentes os parlamentares Padre João (PT-MG), Jandira Feghali (PCdoB-RJ) e Sâmia Bomfim (PSOL-SP), articuladores do documento.
“A carta reforça o chamado por um cessar-fogo urgente e uma política mais enfática de enfrentamento ao genocídio promovido pelo Estado de Israel contra o povo palestino. Além de pedir pela não-promoção dos acordos de cooperação militar, solicitamos que o governo atue energicamente pelo fim da ocupação e do apartheid”, pontuou Melchionna sobre o documento entregue a Vieira.
Após Opera Mundi contatar o Itamaraty, Ministério das Relações Exteriores do Brasil, para confirmar o posicionamento de Vieira aos deputados, a pasta enviou, por email, a íntegra do registro da participação do ministro na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, bem como sua descrição que não registra a fala mencionada pelo deputado Glauber Braga.
No entanto, a garantia da revogação dos acordos foi feita em reunião privada com os parlamentares, confirmada à reportagem pelo parlamentar.
Acordos entre Bolsonaro e Netanyahu
Melchionna afirmou que o mais grave dos acordos que os parlamentares lutam pela revogação é o Projeto de Decreto Legislativo 554, de 2021, aprovado em 18 de outubro ano na Câmara dos Deputados e que segue para o Senado.
O documento, assinado pelo deputado Aécio Neves (PSDB-MG), presidente da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa à época, aborda a cooperação brasileira e israelense em segurança pública, prevenção e combate ao crime organizado em um acordo firmado em Jerusalém em 31 de março de 2019.
Segundo o movimento Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS), que objetiva a fragilização do Estado de Israel para que sua ofensiva em Gaza seja cessada, o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro firmou acordos com a administração do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu em temas como ciência e tecnologia, defesa, segurança pública, aviação civil, segurança cibernética e saúde.
Twitter/Fernanda Melchionna
Na reunião, estavam presentes os parlamentares Glauber Braga, Fernanda Melchionna, Jandira Feghali, Padre João e Sâmia Bomfim
Posição do governo brasileiro
Melchionna ainda avalia como um “avanço importante, mas insuficiente” que Lula reconheça a situação em Gaza como um genocídio.
Diante do que considera “um caso gravíssimo da história mundial”, defende a convocação do embaixador israelense no Brasil para consultas e também o rompimento das relações comerciais, diplomáticas e econômicas do Brasil com Israel, como feito pela Bolívia.
“Não é um conflito quando falamos do quarto maior exército do mundo contra um povo que não pode ter um Estado na prática e vive na maior prisão a céu aberto. Não se trata de um conflito, mas de um genocídio”, conclui.
Já Braga afirma que o governo brasileiro tem apresentado “uma postura importante e eficaz” na repatriação de brasileiros das regiões de conflito em Israel e Gaza, mas que os resgates ainda não aconteceram por completo e, devido a isso, “o enfrentamento diplomático às ações genocidas de Israel não são ampliadas”.
“Diante disso, a pergunta que imediatamente precisa ser realizada, e foi um dos questionamentos que eu fiz ao ministro Vieira, é se os brasileiros que não saem do conflito estão reféns por parte do Estado de Israel”, declarou, defendendo também o rompimento das relações do Brasil com Israel ou “pelo menos uma ampliação das medidas de condenação”, mencionando a Colômbia e o Chile que convocaram de volta seus embaixadores em Israel.
Leia a carta dos parlamentares entregue a Mauro Vieira na íntegra:
Hoje, 8 de novembro, se completa um mês desde o início dos bombardeios de Israel à Faixa de Gaza. Como disse o presidente Lula, nada pode justificar este genocídio: mais de 10 mil pessoas já foram mortas em Gaza, cerca de metade delas crianças. Além disso, centenas de milhares de casas foram destruídas e toda a população sofre com as restrições ilegais e desumanas de acesso a água, comida, energia e internet. Na ONU, a ampla maioria dos países aprovou uma resolução chamando por um cessar-fogo urgente, mas Israel declarou que não tem intenção de parar e intensificou os ataques contra o povo palestino. Nesse contexto, a ação da comunidade internacional é de suma importância, de modo que:
1. Ecoamos o chamado por um cessar-fogo urgente e pela garantia de corredores humanitários que possibilitem a entrada de ajuda à população de Gaza e a saída dos brasileiros que ali se encontram;
2. Urgimos ao governo brasileiro que atue energicamente pelo fim do genocídio, da ocupação e do apartheid, em defesa do respeito ao direito internacional e às resoluções da ONU;
3. Solicitamos ao governo brasileiro que chame o embaixador do Brasil em Israel para consultas e que não se promulguem os acordos de cooperação militar e de segurança assinados por Bolsonaro com Israel.
Deputadas/os que assinam:
1. Erika Kokay (PT/DF)
2. Fernanda Melchionna (PSOL/RS)
3. Glauber Braga (PSOL/RJ)
4. Jandira Feghali (PCdoB/RJ)
5. Luizianne Lins (PT/CE)
6. Padre João (PT/MG)
7. Adriana Accorsi (PT/GO)
8. Airton Faleiro (PT/PA)
9. Alencar Santana (PT/SP)
10. Alexandre Lindenmeyer (PT/RS)
11. Alfredinho (PT/SP)
12. Alice Portugal (PCdoB/BA)
13. Ana Paula (PT/PR)
14. Ana Pimentel (PT/MG)
15. Bohn Gass (PT/RS)
16. Carol Dartora (PT/PR)
17. Célia Xakriabá (PSOL/MG)
18. Chico Alencar (PSOL/RJ)
19. Daiana Santos (PCdoB/RS)
20. Dandara (PT/MG)
21. Daniel Almeida (PCdoB/BA)
22. Dr Francisco (PT/PI)
23. Erika Hilton (PSOL/SP)
24. Fernando Mineiro (PT/RN)
25. Guilherme Boulos (PSOL/SP)
26. Helder Salomão (PT/ES)
27. Ivan Valente (PSOL/SP)
28. Jack Rocha (PT/ES)
29. João Daniel (PT/SE)
30. Jorge Solla (PT/BA)
31. José Airton (PT/CE)
32. José Guimarães (PT/CE)
33. Joseildo Ramos (PT/BA)
34. Juliana Cardoso (PT/SP)
35. Kiko Celeguim (PT/SP)
36. Leonardo Monteiro (PT/MG)
37. Lindberg Farias (PT/RJ)
38. Luiza Erundina (PSOL/SP)
39. Márcio Jerry (PCdoB/MA)
40. Marcon (PT/RS)
41. Maria do Rosário (PT/RS)
42. Merlong Solano (PT/PI)
43. Natália Bonavides (PT/RN)
44. Nilto Tatto (PT/SP)
45. Pastor Henrique Vieira (PSOL/RJ)
46. Patrus Ananias (PT/MG)
47. Paulão (PT/AL)
48. Pedro Uczai (PT/SC)
49. Professor Luciene (PSOL/SP)
50. Reginete Bispo (PT/RS)
51. Reimont (PT/RJ)
52. Renildo Calheiros (PCdoB/PE)
53. Rogério Correia (PT/MG)
54. Rubens Otoni (PT/GO)
55. Sâmia Bomfim (PSOL/SP)
56. Tadeu Veneri (PT/PR)
57. Talíria Petrone (PSOL/RJ)
58. Tarcísio Motta (PSOL/RJ)
59. Túlio Gadelha (Rede/PE)
60. Valmir Assunção (PT/BA)
61. Vicentinho (PT/SP)
62. Washignton Quaquá (PT/RJ)