As negociações por um acordo de cessar-fogo entre o Hamas e Israel tiveram um avanço nos últimos dias, com a iniciativa do movimento de resistência palestino de apresentar sua lista de pré-condições para aceitar uma nova trégua.
Em entrevista exclusiva a Opera Mundi, realizada nesta sexta-feira (02/02), dois dos líderes do grupo, Moussa Abu Marzouk e Bassem Naim, ambos da alta cúpula política do Hamas, afirmaram que há diversas propostas sobre a mesa que estão sendo discutidas com os representantes de países mediadores (Egito e Catar), mas que a intenção da organização palestina é “insistir em um cessar-fogo total, duradouro e abrangente”.
Os líderes palestinos afirmam que entre as condições apresentadas pelo Hamas para chegar a um cessar-fogo definitivo estão: “fim do bloqueio, abertura das fronteiras, permissão para que todos os auxílios entrem em Gaza e um acordo de troca de prisioneiros, para que possamos ter certeza de que todos os nossos prisioneiros palestinos serão soltos”.
No entanto, Marzouk e Naim criticaram o que consideram ser uma postura “relutante” por parte dos representantes do Estado de Israel, especialmente com relação à possibilidade de um cessar-fogo permanente.
“Eles estão falando em uma trégua temporária e nós rejeitamos isso, mas lentamente estamos avançando. Achamos que, nos próximos dias, será possível alcançar um acordo graças aos esforços dos diferentes intermediários, pois acreditamos que os israelenses estão sofrendo muitas pressões”, disseram os representantes do Hamas.
Processo em três etapas
A proposta do Hamas para um cessar-fogo permanente em Gaza foi entregue em uma reunião realizada nesta quinta-feira (01/02), no Cairo entre líderes do movimento palestino e chefes da inteligência do Egito, um dos países mediadores do diálogo entre as partes.
O jornalista Gershon Barskin, colunista do jornal Times of Israel, publicou em suas redes sociais o relato feito após a reunião por um funcionário sênior do Hamas não identificado, no qual se fala em um acordo que teria três etapas.
A primeira etapa consistiria na libertação de entre 35 e 40 reféns israelenses mantidos pelo Hamas, incluindo mulheres e homens com mais de 60 anos, em troca de uma interrupção dos combates por 40 dias, da libertação de entre 200 a 300 palestinos presos em Israel e da permissão para que entre 200 a 300 caminhões com ajuda humanitária entrem em Gaza todos os dias – além da possibilidade de que os palestinos possam retornar ao norte da Faixa de Gaza.
A segunda etapa proposta pelo Hamas seria enfocada na libertação dos chamados “prisioneiros de guerra”. O movimento palestino não apresentou números precisos, afirmando que os detalhes dessa negociação deverão ser conversados quando a primeira etapa da trégua já estiver vigente.
Em seu relato no X (antigo Twitter), Gershon afirmou que a declaração da sua fonte é controversa, porque, segundo ele, “o Hamas considera que qualquer homem com mais de 18 anos que tenha servido as Forças Armadas de Israel é um soldado”, o que significaria que os “prisioneiros de guerra” para o grupo não são apenas os capturados durante os combates dos últimos meses.
A terceira e última fase, que também teria seus detalhes negociados apenas com a trégua já iniciada, abordaria um possível fim da guerra e parâmetros para estabelecer uma situação mais estável na região.
Apoio internacional
Em outro trecho da entrevista a Opera Mundi, os líderes palestinos Marzouk e Naim afirmaram que, independente do sucesso ou não das negociações, o grupo pretende “continuar lutando com todos os meios disponíveis”.
Reprodução/ @idfonline
Hamas propôs um processo em três etapas para se buscar um cessar-fogo mais prolongado na Faixa de Gaza
“Seguiremos até com a resistência armada, se isso for necessário, até atingir nosso objetivo de alcançar a liberdade, dignidade e independência com um Estado [palestino] independente tendo Jerusalém como sua capital”, afirmaram os lideres palestinos.
Marzouk e Naim também falaram sobre as manifestações de solidariedade à Palestina espalhadas pelo mundo, afirmando que as observam de forma positiva. “A coalizão internacional que está apoiando a Palestina é crucial para a nossa luta. Estamos buscando ainda mais apoio, mas temos certeza de que isso já é muito importante para restringir a capacidade do inimigo [Israel] e de seus apoiadores de continuar com essa agressão”.
Os líderes palestinos também falaram sobre um hipotético cenário de alcançar o objetivo final que é a conformação de um Estado da Palestina reconhecido internacionalmente. O governo desse possível novo Estado “deverá ser um governo único aceitos por todas as forças palestinas”.
“Esse governo não poderá aceitar a presença de nenhum estrangeiro, seja árabe ou de qualquer outro país, e deverá lidar com qualquer força estrangeira dentro da Faixa de Gaza como uma nova ocupação”, disseram Marzouk e Naim.
Catar vê proposta como ‘positiva’
O governo do Catar, que também trabalha como mediador nas negociações entre as partes, divulgou um comunicado afirmando que considera “positivo” o plano de três etapas apresentado pelo Hamas.
O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do Catar, Majid al-Ansari, ressaltou que “existe uma disposição por parte do Hamas em chegar a um acordo, agora é preciso encontrar um ponto comum entre essas condições (apresentadas pelo Hamas) e as exigidas por Israel”.
Segundo o canal Al Jazeera, os governos do Catar e do Egito estão trabalhando em conjunto para conformar uma proposta final, a ser apresentada a ambas as partes do conflito, e que poderia se basear em um processo de três etapas, como foi sugerido pelos palestinos.
Divisão em Israel
Segundo o Times of Israel, há uma divisão no governo de Benjamin Netanyahu sobre aceitar um cessar-fogo neste momento.
Por um lado, grupos mais moderados – e que eram opositores ao atual premiê, mas passaram a formar parte do governo de unidade nacional após o ataque do Hamas em 7 de outubro – defendem a adesão a um acordo de paz baseado em termos impostos por Israel. Esse setor também estaria mais sintonizado com as autoridades dos Estados Unidos, outro dos países mediadores do diálogo e que tem pressionado Tel Aviv a aceitar um novo cessar-fogo, mesmo que temporário.
Porém, os partidos mais radicais da coalizão governista israelense são aberta e enfaticamente contrários a qualquer possibilidade de acordo com o Hamas.
A figura mais importante dessa corrente é o ministro de Segurança Nacional de Israel, Itamar Ben-Gvir, que chegou a dizer que “esse é um acordo ridículo” e que sua confirmação significaria “a dissolução do governo” de Netanyahu.
O ministro acrescentou que “Israel tem a obrigação moral de resgatar os reféns”, porém, ao mesmo tempo “precisa garantir que um novo 7 de outubro não aconteça”, e se referiu aos palestinos como “os monstros nazistas que estão bem no nosso quintal e podemos eliminá-los”.