Golda Meir, a única mulher primeira-ministra de Israel pelo Knesset, há 50 anos, a chamada Dama de Ferro do Oriente Médio, também era conhecida pelos seus comentários racistas, políticas genocidas e o protagonismo na guerra Yom Kippur. A premiê, que deixou um rastro de destruição que perdura até hoje, chegou a dizer que “não existiam palestinos” para o Sunday Times e o Washington Post em junho de 1969.
Meir, como o atual premiê Netanyahu, pretendia limpar etnicamente a população autóctone da Palestina para dar lugar aos imigrantes judeus. Por cinco anos, Golda se agarrou ao poder e, com mãos de ferro, infligiu aos palestinos marginalização, restrição de direitos civis e guerra. As feministas ocidentais, que hoje vacilam em defender as mulheres palestinas, adotaram Golda Meir como símbolo de liderança feminista. Golda, no entanto, não deu importância a isto, visto que o cargo não era uma significava uma representação de gênero, mas uma representação do Estado de Israel.
Nascida na Ucrânia, em 1898, ela emigrou para os EUA ainda criança com sua família, que se estabeleceu em Milwaukee, Wisconsin, onde completou seus estudos e se tornou professora. Em 1921, após se casar, ela e o marido emigraram para a Palestina, então sob mandato britânico. Em 1948, quando o Estado de Israel foi estabelecido, ela já tinha cimentado seu lugar na história de fundação do país.
Antes de assumir o cargo mais poderoso de Israel, Meir foi ministra do Trabalho e, depois, dos Negócios Estrangeiros. Na primeira função, e à medida que os imigrantes judeus se aglomeravam para se estabelecerem no novo Estado, e os palestinos eram forçados a abandonar as suas casas, ela supervisionou a construção de habitações e de um sistema de bem-estar social judaico. O governo de Meir ilustra como a colonização sionista da Palestina está na raiz do conflito e também o impulsiona.
Marion Trikosko/Biblioteca do Congresso
A primeira-ministra israelense Golda Meir com o presidente Richard Nixon e Henry Kissinger em 1973
A “dama de ferro” recebeu apoio incondicional dos EUA – tal como Netanyahu recebe hoje – para seguir adiante no plano de exclusão do mapa palestino. E nos mostra que o apoio dos EUA à Israel está enraizado num cálculo geopolítico frio e muito bem estruturado. Golda Meir, em meio à Guerra do Yom Kippur, recebeu conselhos de Henry Kissinger e teve um poderoso lobby atuando a seu favor, liderado não apenas por judeus, mas também por cristãos conservadores, racistas antimuçulmanos. Esta pressão utiliza a “guerra ao terror” para criar um ambiente político em apoiar a justiça para os palestinos é torna qualquer um suspeito de defender ou praticar terrorismo.
Examinar a política de Golda Meir no Oriente Médio é também descobrir a racionalidade do apoio dos EUA a Israel. Sendo um Estado proxy, Israel ajuda o esforço de longa data dos norte-americanos para controlar o mundo através do controle do petróleo.
Golda Meir dedicou a sua vida para pôr em prática a doutrina do “destino manifesto” em formato sionista. Em 1973, o General Moshe Dayan, que também tinha grande proximidade com Golda, proferiu um discurso num programa em uma reunião da Ordem dos Advogados de Israel. O jornal Ha’aretz (18.2.73) informou que Dayan “surpreendeu os seus ouvintes”: os advogados que o tinham convidado esperavam que, como Ministro da Defesa, ele falasse de assuntos militares. Em vez disso, ele leu uma texto em que expôs a “doutrina” do seu mentor, o fundador do Estado de Israel, David Ben-Gurion. Este último ainda estava vivo – morreria ao final de 1973 – e é justo assumir que Dayan estava certo da sua aprovação (de fato, não é tão fantasioso supor que Ben-Gurion estava transmitindo uma mensagem à nação através do seu protegido preferido).
Dayan citou o que Ben-Gurion tinha dito muitos anos antes, em debates internos sobre o relatório da Comissão Peel, mas salientou que essas palavras, proferidas em 1937, eram “pertinentes também hoje”. Esta é a síntese da doutrina de Ben-Gurion, tal como citada por Dayan:
“Entre nós [os sionistas] não pode haver debate sobre a integridade da Terra de Israel [isto é, da Palestina], e sobre os nossos vínculos e direito a toda a Terra. Quando um sionista fala sobre a integridade da Terra, isto só pode significar colonização [hityashvut] por parte dos judeus da Terra na sua totalidade. Isto é: do ponto de vista do Sionismo a verdadeira questão não se limita [à questão de] a quem pertence politicamente este ou aquele segmento da Terra, nem mesmo à crença abstrata na sua integridade. Pelo contrário, o objetivo e a verdadeira questão de fundo do sionismo é a implementação concreta da colonização pelos judeus de todas as áreas da Terra de Israel”.
Golda Meir nunca negou sua avidez por colocar em prática a ideologia sionista, e até os líderes militares, como Moshe Dayan, foram forçados a admitir que Israel estava lançando as sementes da violência em Gaza. Ele confessou: “O que podemos dizer contra o terrível ódio deles por nós? Durante oito anos, eles permaneceram nos campos de refugiados de Gaza e observaram como, diante dos seus olhos, transformamos as suas terras e aldeias, onde eles e os seus antepassados viveram, na nossa casa.”
Durante as décadas seguintes, Israel sujeitaria Gaza a uma série violenta de invasões e ocupações militares, ataques e ofensas, incursões e administrações militares, campanhas de bombardeamento e ataques aéreos, repetidos massacres e deslocações em massa, e a um bloqueio de anos que ainda está em vigor. Dayan e Levi Eshkol consideraram mesmo a transferência de refugiados de Gaza para a Cisjordânia, para o Sinai ou para o Iraque – ou ainda para um país árabe no Norte de África (a Operação Líbia). Eles até conceberam um plano secreto, o “plano Moshe Dayan” para transferir refugiados de Gaza para a América Latina.
Entretanto, os refugiados de Gaza tiveram de sofrer o terrível destino de viver sob o jugo das mesmas forças que os tinham desenraizado décadas antes. Bombardeados, sitiados e presos numa jaula construída por Israel, jaula esta que Golda Meir também arquitetou.
Em 2023, o filme Golda estreou e como é de se esperar uma peça de propaganda que buscou humanizar os personagens aqui citados, seja mostrando a frágil saúde da primeira ministra que se deteriorava, seja pela ansiedade, ou até mesmo os soldados “aterrorizados” pela guerra que eles semearam. Golda é frequentemente lembrada como uma líder controversa, dura, no entanto, é ainda uma genocida bem aceita.