Uma reportagem do jornal The Washington Post contestou as imagens disponibilizadas pelas Forças de Defesa de Israel (IDF) relativas à incursão militar terrestre contra o hospital Al-Shifa, em Gaza, no dia 15 de novembro de 2023. Na avaliação do periódico norte-americano, essas imagens estão longe de provar que o grupo da resistência palestina Hamas utilizava a instalação como um centro de operações militares.
O episódio foi um dos mais debatidos internacionalmente. A Organização Mundial da Saúde (OMS) chegou a classificar a operação militar israelense como “um banho de sangue”.
Segundo o Washington Post, as imagens oferecidas pelo exército israelense não mostraram sinal de utilização militar recente pelo Hamas nas salas ligadas aos túneis descobertos pelo IDF. Além disso, nenhum dos cinco edifícios hospitalares identificados parecia estar ligado à rede de túneis nem há evidências na documentação de que esses corredores possam ser acessados de dentro das enfermarias do hospital.
A análise Washington Post, em matéria publicada na quinta-feira (21/12), avaliou imagens de satélite e fotografias divulgadas pelas Forças de Defesa de Israel nas redes sociais para mapear os danos ao hospital.
No dia 15 de novembro, o Hospital Al-Shifa, o maior da Faixa de Gaza, foi atacado pelo Exército israelense. Segundo Israel, o Hamas usava o hospital para fins militares, o que foi negado pela organização palestina que descreveu as acusações de Israel sobre o hospital como parte de uma “campanha de mentiras”.
No mesmo dia do ataque, os militares israelenses afirmaram que realizaram uma “operação precisa e direcionada” contra o Hamas em uma área específica do complexo e que tinham matado militantes fora do complexo “antes da entrada”.
Médicos dentro das instalações e funcionários do Ministério da Saúde de Gaza disseram que as forças israelenses estavam no controle total da instalação médica. As tropas foram de sala em sala pressionando profissionais e pacientes feridos e pedindo que alguns se reunissem no pátio, não muito longe da vala comum onde os mortos eram enterrados.
Após o episódio, os militares israelenses anunciaram em comunicado que haviam destruído o túnel nas dependências do hospital.
Abed Rahim Khatib/Flash90
Hospital Al-Shifa foi invadido sob alegações duvidosas, expondo a vida de pacientes e da equipe médica
A operação militar ocorreu semanas após Israel iniciar uma campanha acusando o Hamas de usar unidades de saúde como escudo para suas ações militares. O porta-voz da IDF, Daniel Hagari, afirmava que cinco edifícios hospitalares estavam diretamente envolvidos nas atividades militares do Hamas, que os prédios ficavam em cima dos túneis e que eram utilizados por militantes para direcionar ataques com foguetes e comandar combatentes. Ainda declarava que os túneis poderiam ser acessados de dentro das enfermarias do hospital.
Numa coletiva de imprensa em 27 de outubro, o porta-voz Hagari afirmou ter “evidências concretas” do uso militar dos hospitais pelo Hamas. Também foram divulgadas imagens aéreas e mapas, o que preocupou os profissionais de saúde que trabalhavam no edifício. Horas depois da coletiva, redes de comunicação caíram no local. “Depois disso, começaram os bombardeamentos contra os edifícios em redor de al-Shifa”, recordou o cirurgião britânico-palestino, que trabalhava no hospital naquela noite, Ghassan Abu Sitta em conversa com o Post,
Um porta-voz do exército israelense ouvido pelo jornal norte-americano disse que as IDF “publicaram provas extensas e irrefutáveis que apontam para o abuso do complexo hospitalar de Shifa pelo Hamas para fins terroristas”. Questionado se mais provas seriam disponibilizadas, o porta-voz respondeu que não: “não podemos fornecer informações adicionais”.
O jornal norte-americano também apurou as informações com funcionários do governo Joe Biden. “Antes, eu estava convencido de que [Al-Shifa] era o local onde essas operações estavam ocorrendo”, disse um funcionário do alto escalão do Congresso dos EUA, que concedeu a entrevista sob anonimato. Mas, disse ele, “eles deveriam ter mais provas neste momento.”
OMS
Três dias após o ataque ao hospital, uma equipe da OMS conseguiu chegar ao local. Segundo a equipe, médicos e pacientes imploraram para que a organização ajudasse a organizar uma passagem segura para que pudessem deixar o local.
De acordo com vídeos da OMS, no pronto-socorro, dezenas de bebês prematuros choravam. Dois deles morreram antes da chegada dos veículos de evacuação montada pela organização, que contabilizou ao menos 40 pacientes mortos no hospital, que abrigava também palestinos que fugiam do fogo cruzado e trabalhadores de entidades humanitárias.