Enquanto as Forças de Defesa de Israel (IDF, por sua sigla em inglês) promovem uma brutal ofensiva militar contra os palestinos presos na Faixa de Gaza – que já resultou em mais de 3 mil mortes –, a diplomacia de Tel Aviv também realiza seu ataque, no âmbito das relações internacionais, contra governos e chefes de Estado que manifestam críticas à sua política.
Desde o dia 7 de outubro, tanto o Ministério das Relações Exteriores israelense quanto seus embaixadores espalhados pelo mundo reforçaram as hostilidades públicas contra qualquer opinião que coloque em dúvida as ações do governo de Benjamin Netanyahu, muitas vezes usando a conhecida retórica de acusar os autores dessas opiniões críticas de “antissemitismo”, como se discordar de Israel fosse por si só um ato de preconceito.
A América Latina é um dos principais alvos dessa estratégia e o caso mais emblemático foi o que envolveu o presidente da Colômbia, Gustavo Petro.
Neste domingo (15/10), o chanceler israelense Eli Cohen, através do seu porta-voz, emitiu um comunicado atacando o mandatário do país andino e afirmando que as declarações dadas por ele na semana passada, em solidariedade ao povo palestino, “refletem um apoio às atrocidades cometidas pelos terroristas do Hamas, alimentam o antissemitismo, afetam os representantes do Estado de Israel e ameaçam a paz da comunidade judaica na Colômbia”.
No entanto, a principal declaração de Petro anterior à reação do chanceler não foi ofensiva a Israel e defendeu a solução de dois Estado para o conflito: “a única forma de as crianças palestinas dormirem em paz é as crianças israelenses dormirem em paz. A única forma de as crianças israelenses dormirem em paz é as crianças palestinas dormirem em paz. Isso não se conseguirá através da guerra e sim de um acordo de paz que respeite a legalidade internacional e o direito dos dois povos de existirem livres”, escreveu Petro em suas redes sociais.
Após a acusação do chanceler de Israel, Petro respondeu com um tom mais agressivo, já que o comunicado de Tel Aviv anunciava um possível bloqueio do comércio entre os países.
“Se tivermos de suspender as relações externas com Israel, que assim seja. Nós não apoiamos genocídios, e tampouco aceitamos que o presidente da Colômbia seja insultado”, declarou.
Brasil
No Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o Partido dos Trabalhadores (PT) também foram criticados pelo representante da diplomacia de Israel, o embaixador Daniel Zohar Zonshine.
Nos primeiros dias do conflito, logo após o ataque do Hamas a territórios palestinos que estão sendo ocupados por colonos israelenses, Zonshine questionou uma suposta “falta de sensibilidade” de Lula, alegando que o presidente não teria usado a palavra “terrorismo” para descrever a ação do grupo palestino.
Esse comentário, porém, se baseava em uma premissa falsa, já que Lula disse sim ter ficado “chocado com os ataques terroristas realizados hoje contra civis em Israel”. O mandatário brasileiro apenas não mencionou o Hamas, embora o alvo de sua crítica tenha ficado subentendido na mensagem.
A representação israelense em Brasília voltou a atacar nesta terça-feira (17/10), desta vez tendo como alvo o PT, devido a uma resolução produzida pelo partido, no dia anterior, criticando os “crimes de guerra cometidos em Gaza”.
A Embaixada de Israel respondeu o documento com uma nota dizendo que “qualquer pessoa que pense que o assassinato bárbaro, a violação e a decapitação de pessoas é uma posição política, ou que se trata apenas de uma luta política legítima, possui uma extrema falta de compreensão da atual situação”.
“É muito lamentável que um partido que defende os direitos humanos compare a organização terrorista Hamas, que vai de casa em casa para assassinar famílias inteiras, com o que o governo israelense está fazendo para proteger os seus cidadãos”, acrescentou o comunicado.
A réplica petista – assinada pela presidente nacional do partido, Gleisi Hoffmann, e pelo secretário de Relações Internacionais, Romênio Pereira – afirma que “é totalmente falsa e maliciosa a interpretação que a Embaixada de Israel no Brasil faz e divulga em nota oficial sobre a Resolução do PT, divulgada nesta segunda (16/10), que condenou sim ‘os ataques inaceitáveis, assassinatos e sequestro de civis, cometidos tanto pelo Hamas quanto pelo Estado de Israel’”.
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Chanceler israelense Eli Cohen tem liderado estratégia de questionar críticas internacionais ao governo de Netanyahu
“Também se advertiu que a retaliação do governo de Israel configura ‘um genocídio contra a população de Gaza, por meio de um conjunto de crimes de guerra’, como o corte de água potável, energia, alimentos e remédios, além de bombardeios contra a população civil”, completou a nota do PT.
Para o partido, a declaração da embaixada israelense é “um ataque injustificável a um partido que ao longo de sua história abriga militantes palestinos, árabes e judeus e defende a coexistência dos Estados de Israel e da Palestina”.
A resposta do PT também destacou o fato de que “por volta das 15h30 desta terça-feira, enquanto a Embaixada de Israel divulgava sua nota contra o PT, pelo menos 500 civis eram assassinados no bombardeio a um grande hospital em Gaza”.
“Quem representa no Brasil o governo que fez um ataque desta natureza não tem autoridade moral para falar em direitos humanos. Todos têm direito a defender seu povo, mas a busca por justiça não se confunde com vingança nem pode se dar por meio da Lei de Talião”, ressalta a nota da legenda governista.
Ademais, o PT lembrou em seu texto que a posição do partido “é semelhante à da porta-voz da ONU para Direitos Humanos, Ravina Shamdasani: ‘não se pode ter uma punição coletiva como resposta aos ataques horríveis (do Hamas)’”
Chile
O caso chileno chama a atenção pelo fato de que o presidente desse país, Gabriel Boric, não tomou uma posição questionadora com relação ao governo israelense, ao menos inicialmente, mas acabou sendo repudiado pelos representantes de Israel no país devido à sua “demora em condenar os ataques”.
O mandatário chileno se pronunciou oficialmente apenas no dia 9 de outubro, dois dias depois do ataque do Hamas, e iniciou sua mensagem em sintonia com a narrativa de Tel Aviv, ao dizer que condenava “sem meias palavras, os brutais atentados, assassinatos e sequestros realizados pelo Hamas. Nada pode justificar ou relativizar essas ações, que merecem o mais enérgico repúdio”.
Porém, em outro momento e já após ser criticado por Israel, Boric se mostrou contra “os ataques indiscriminados contra civis em Gaza e a ocupação ilegal do território palestino durante décadas, em violação do direito internacional. Na dor, não há laços possíveis, cada acontecimento é uma tragédia em si”.
O chanceler do Chile, Alberto Van Klaveren, entrou no debate, para dizer que “o uso da força contra civis nunca é aceitável em conflitos armados, mesmo no exercício da defesa legítima. Apelamos a todas as partes envolvidas nos atos de violência, em Israel e nos territórios palestinos, para que respeitem esse princípio básico”.
México
Assim como Boric, o presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador também demorou dois dias para dar sua primeira declaração sobre os acontecimentos no Oriente Médio.
Em uma conferência de imprensa realizada em 9 de outubro, o mandatário latino-americano abordou o tema expressando seu “profundo respeito pelo governo de Israel e muito mais pelo povo de Israel”, mas dizendo que o governo do México repudia a guerra promovida em Gaza.
“Somos pacifistas e não queremos que nenhum ser humano, de qualquer nacionalidade, perca sua vida, seja ele israelense ou palestino. Queremos que o direito humano mais importante seja garantido, que é o direito à vida”, afirmou Obrador.
A embaixada de Israel no México emitiu um comunicado horas depois, afirmando que lamentava a declaração, e que esperava “uma posição mais enérgica e determinada diante desta situação”.