O nítido apoio de Emmanuel Macron a Israel e a restrição temporária a manifestações pró-Palestina acentuaram o sentimento de exclusão de parte da população muçulmana, sobretudo de ascendência magrebina (das antigas colônias), que já não se vê refletida nos propalados valores republicanos da França, país onde nasceu.
“Somos contra todo tipo de opressão, e nos sentimos abandonados pela França, que se solidariza apenas com um dos lados. Onde está a fraternidade?”, diz Soltana, estudante de direito de 20 anos, durante a maior manifestação em favor da Palestina desde o ataque do Hamas em Israel, há mais de um mês. Ela preferiu não divulgar seu sobrenome. Filha de mãe francesa e pai algeriano emigrado para Paris nos anos 2000, Soltana sente na pele (e no sobrenome) o racismo e a islamofobia.
A jovem Soltana, 20 anos, foi à passeata com o irmão Crédito: Marana Borges
Ao seu lado, milhares de pessoas desfilaram na parte leste da cidade entoando cantos como “cessar fogo imediato, não ao massacre” e “chega de ocupação e colonização”.
“Já não me sinto mais francesa”, desabafa a jovem. A sensação de exclusão já a acompanhava – por exemplo, nas perguntas discriminatórias durante entrevistas de emprego. O único estágio que conseguiu foi em São Paulo, para onde viajará no próximo ano. A posição da França, interpretada como omissa diante dos massacres contra civis palestinos, foi a gota d’água de um processo de indignação e não pertencimento ao país onde nasceu e onde quer viver.
Nem a conferência internacional que Macron convocou em Paris durante esta semana para mobilizar a ajuda humanitária em Gaza foi capaz de matizar a imagem pró-Israel da França, que visitou o país hebreu em finais de outubro.
Marana Borges
No cartaz, lê-se "Contra a ocupação, o apartheid, o colonialisno israelenses. De Israel ao Irã, combatamos os tiranos!"
De outra geração, a professora aposentada Fatiha, de 65 anos, também se sente decepcionada: “Tivemos que lutar para ter um direito tão simples: sair às ruas e dizer que estamos tristes com os massacres contra os palestinos”, diz, em referência à restrição às manifestações populares em favor da Palestina. Alemanha também restringiu esses atos, especialmente em Berlim, que possui a maior diáspora palestina da Europa. Na França, a principal Corte administrativa liberou posteriormente os atos. “É desproporcional condenar a Rússia contra o povo ucraniano e, um ano depois, fechar os olhos para os crimes de Israel contra a Palestina”, afirma Fatiha.
Palco de tensões
A manifestação pró-Palestina ocorre na véspera de outra passeata de grande envergadura contra o antissemitismo, convocada neste domingo (12/11) pelo presidente do Senado, Gérard Larcher, e a presidenta da Assembleia, Yaël Braun-Pivet. Porém, a presença confirmada de Marine Le Pen, ex-candidata à presidência e filha de Jean-Marie Le Pen, condenado diversas vezes por antissemitismo e fundador do antigo Front National (hoje Rassemblement National), gerou um mal-estar entre a esquerda. La France Insoumise, que vê na presença de Le Pen uma manobra da ultradireita para tentar apagar sua imagem antissemita, acabou desistindo de participar.
“Parem o massacre em Gaza”, passeata na avenue de la République
Crédito: Marana Borges
Com um passado marcado pelo caso Dreyfus (capitão do Exército e judeu, acusado injustamente de espionagem em 1894) e por um governo colaboracionista durante a ocupação militar nazista durante a Segunda Guerra Mundial, as instituições francesas tentam marcar posição contra o antissemitismo. Desde o início do conflito entre Hamas e Israel, o governo tem se esforçado em comunicar os crimes de incitação ao ódio contra judeus, que chegaram a 1.247 – mais do que o dobro do registrado em todo o ano de 2022.
A França agrega, ao mesmo tempo, a maior comunidade de muçulmanos (entre 5 e 6 milhões) e de judeus (500 mil) da Europa. À exceção dos Estados Unidos, o país reúne a maior número de judeus fora de Israel.