A ministra da Inteligência de Israel, Gila Gamliel, publicou no domingo (19/11) um artigo no jornal israelense The Jerusalem Post no qual defende que a comunidade internacional não deveria gastar recursos com a reconstrução de Gaza, colocando que uma “opção” após a guerra seria “promover o deslocamento dos palestinos para fora da Faixa de Gaza”.
A ministra abre o artigo com citação de Albert Einstein, dizendo que “no meio de cada crise, existe uma grande oportunidade”. Mas há um detalhe convenientemente esquecido por Gamliel ao fazer esta citação, o físico judeu denunciou publicamente o genocídio palestino em carta ao jornal norte-americano The New York Times na década de 1940. O artigo inclusive previu sobre o problema do fascismo no país e a colaboração dos Estados Unidos.
A posição da ministra não surpreende, visto que a natureza do Likud, partido que sucedeu o Herut (Partido da Liberdade), tem em seus métodos e orientação política identidade fascista. O Likud ressurgiu como herança do Herut após uma fusão com outros partidos extremistas. A sigla da qual Gamliel faz parte nunca aceitou o princípio de um Estado palestino independente, e a posição dela nada mais é que a voz do Likud, que agora clama à comunidade internacional que os ajude a seguir com o plano de limpeza étnica.
Gamliel começa o escrito evidenciando os crimes cometidos pelo Hamas desde o 7 de outubro, data da Tempestade de Al-Aqsa, apelando para uma moral ao atribuir culpa pelas atrocidades da guerra – e sabemos que em qualquer guerra, ambos os lados podem e recorrentemente cometem atrocidades – e é claro que todos os crimes de guerra devem ser condenados energicamente. Ela cita alguns dados: “mais de 1.200 pessoas do nosso povo foram cruelmente assassinadas, 239 brutalmente raptadas, milhares de feridos e 240.000 ficaram desabrigados”.
São números lamentáveis, mas é fácil perceber e comprovar que Israel comete atrocidades em escala maior de magnitude do que o Hamas. O governo de Benjamin Netanyahu opera danos maiores e comete verdadeiras atrocidades, antes de tudo, porque pode: é mais forte. Tem uma enorme máquina de guerra, uma das maiores do mundo em termos absolutos.
Ela diz ainda: “em vez de investir para a reconstrução de Gaza ou para a UNRWA [Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente, em português], que fracassou, a comunidade internacional poderia contribuir para os custos do deslocamento, ajudando os habitantes de Gaza a construir uma nova vida em seu novo país anfitrião”.
“Gaza é um terreno fértil para o extremismo. É uma área pequena, de forma alguma a mais populosa do planeta, mas onde, por muito tempo, os seus governantes deram prioridade à guerra contra os Judeus em detrimento de uma vida melhor para o seu povo “, continua. Neste trecho, identifica-se outra consequência importante que decorre da natureza específica da colonização sionista, que o conflito se consolidou como um conflito nacional.
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Ministra da Inteligência de Israel Gila Gamliel (Likud)
Aqui o conflito entre opressores e oprimidos – colonos e povos nativos – assumiu a forma de uma disputa nacional entre dois grupos distintos e bastante definidos. Apesar dos seus esforços, o Estado de Israel tem tido até agora apenas um sucesso parcial na “transferência” dos árabes palestinos da sua Pátria. A guerra de 1967 foi muito breve para que a limpeza étnica pudesse ser repetida em comparação da Nakba de 1947-1949. Por isso, para a ministra, a oportunidade da guerra cai como uma luva.
No decorrer do escrito, a ministra do Likud diz também: “há muito tempo, Gaza é vista como um problema sem resposta. Tentamos muitas soluções diferentes: desengajamento, desenvolvimento, gerenciamento de conflitos e construção de muros altos na esperança de manter os monstros do Hamas fora de Israel”. Os muros contra os árabes palestinos que o imperialismo ocidental ajudou a erguer, os colonos sionistas – e eventualmente o seu Estado colonizador – fornecem aos seus defensores uma “muralha” contra os “bárbaros” do Oriente Médio, como Estado cliente dos Estados Unidos.
No artigo, a Gamliel ainda apela para a fake news dos bebês decapitados e crimes sexuais cometidos pelo Hamas. A desinformação sobre a morte dos bebês já foi há muito desmascarada, as Forças de Defesa de Israel (IDF) desmentiram a notícia e o jornalista Oren Ziv afirmou que: “não vi nada com os meus próprios olhos, falamos com soldados” e tampouco há evidências que comprovem crimes sexuais contra mulheres israelenses.
Ela acrescenta: “essa pode ser uma solução em que todos saem ganhando: uma vitória para os civis de Gaza que buscam uma vida melhor, e uma vitória para Israel após essa tragédia devastadora”. Aos olhos dos que defendem uma paz abstrata, a sugestão da ministra pode parecer até mesmo equilibrada, no entanto, os políticos sionistas em geral são presumíveis predadores: mentem quando lhes convém.
A expansão colonialista sugerida por Gamliel é uma prioridade máxima para Israel e busca um equilíbrio de poder para que isso se torne possível.
“Alguns chefes de Estado já estão discutindo um esquema de reassentamento de refugiados e dizem que acolheriam os habitantes de Gaza nos seus países. Isto poderia ser apoiado por muitas nações em todo o mundo, especialmente aquelas que afirmam ser amigas dos palestinos”, afirmou no artigo.
Aqui há um fato importante nas entrelinhas que precisa ser destacado: a colonização sionista da Palestina é a raiz do conflito. A colonização contínua é o ímpeto persistente que impulsiona o conflito. A ministra diz ainda que esta é uma proposta nova, para solucionar o problema. A história é importante para compreender porquê esta proposta não é novidade, pois diferentes correntes sionistas equilibram os dois objetivos em relação à Palestina de formas diversas. Algumas dão prioridade à expansão territorial acima da pureza étnica absoluta; outras temem pelo “perigo demográfico” e argumentam que existem muitos árabes na Palestina, e eles têm uma elevada taxa de natalidade.
O perigo de novas expulsões em massa na Palestina nunca esteve distante. Um “momento oportuno” surgiu agora, por exemplo, durante uma guerra – uma perspectiva que sempre esteve presente nesta região volátil. Israel ajuda a provocar esta oportunidade. Antes, o plano seguia em câmera lenta, com o método de dividir e conquistar, utilizando o sufocamento econômico, abusos de poder e repressões brutais.
Por isso, os países que se opõem a esta injustiça devem agir com grande urgência para despertar a opinião pública do mundo e mobilizar a sociedade civil, de modo a tornar o mais difícil possível para Israel expandir a sua colonização e alcançar o seu objetivo. Enquanto este desequilíbrio discrepante de poder continuar, qualquer colonização vai inevitavelmente impor duras condições opressivas ao lado mais fraco.