O presidente Luiz Inácio Lula da Silva encerrou neste domingo (18/02), na Etiópia, a viagem que realizou à África, onde chegou na terça-feira (13/02). Em uma coletiva de imprensa, o líder voltou a criticar a suspensão de doações de países ocidentais à agência da ONU para os refugiados palestinos (UNRWA), pela suspeita de envolvimento entre funcionários da entidade e o grupo Hamas.
Lula também comparou a guerra na Faixa de Gaza ao Holocausto, durante a Segunda Guerra Mundial.
Na primeira etapa da viagem, no Egito, o presidente anunciou que o Brasil vai aumentar a entrega de ajuda para a agência, no momento em que mais de dez países ocidentais já suspenderam o apoio à entidade e a União Europeia avalia interromper as suas contribuições. Lula não detalhou qual aporte será entregue à organização, que Israel acusa de abrigar integrantes do grupo islâmico palestino Hamas diretamente envolvidos nos ataques de 7 de outubro em territórios israelenses.
“Quando vejo o mundo rico anunciar que está parando de dar contribuição para a questão humanitária para os palestinos, eu fico imaginando qual é o tamanho da consciência política dessa gente, e qual é o tamanho do coração solidário dessa gente que não está vendo que na Faixa de Gaza não está acontecendo uma guerra, mas um genocídio. Não é uma guerra entre soldados e soldados: é uma guerra entre um exército altamente preparado e mulheres e crianças”, disse o presidente Lula, ao ser questionado pela RFI.
“Se teve algum erro nesta instituição, apure-se quem errou, mas não suspenda a ajuda humanitária para um povo que está há tantas décadas tentando construir o seu Estado”, afirmou. “O que está acontecendo na Faixa de Gaza, com o povo palestino, não existe em nenhum momento histórico. Aliás, existiu quando Hitler decidiu matar os judeus”, comparou.
O presidente salientou que o Brasil vai defender na ONU o reconhecimento de um Estado palestino pleno e soberano. Também reiterou que condenou os ataques promovidos pelo Hamas, mas continua solidário ao povo palestino.
“Quem vai ajudar a reconstruir aquelas casas que foram destruídas? Quem vai restituir a vida de 30 mil pessoas que já morreram? Os 70 mil que estão feridos?”, evocou. “Isso é pouco para mexer com o senso humanitário dos dirigentes políticos do planeta?”, complementou.
Morte de Alexei Navalny
O presidente também foi questionado sobre a morte do opositor russo Alexei Navalny, revelada pelas autoridades russas na sexta-feira (16/02). O mais importante líder da oposição ao presidente Vladimir Putin morreu em uma prisão na Sibéria.
A morte de Navalny, há um mês das eleições presidências na Rússia, causou uma onda de comoção no Ocidente e acusações contra Putin de líderes de países europeus e os Estados Unidos. Desde sexta-feira, entretanto, o governo brasileiro não se pronunciou sobre o falecimento.
Ricardo Stuckert / PR
Lula disse que Brasil vai defender na ONU o reconhecimento de um Estado palestino pleno e soberano
“Por uma questão de bom senso, se a morte está sob suspeita, nós temos que primeiro fazer uma investigação para saber do que o cidadão morreu. Vamos acreditar que os médicos legistas vão dizer o cara morreu disso ou daquilo”, comentou Lula, antes de dizer que prefere não fazer “pré-julgamento” para não ter de, eventualmente, pedir desculpas depois.
“Sabe há quantos anos eu estou esperando o mandante do crime da Marielle [Franco]? Seis. E não estou com pressa de dizer quem foi que matou. Eu quero achar. E quando eu achar, vou dizer ‘Foi fulano de tal’. Não quero especulação”, declarou o presidente brasileiro.
Lula ainda comparou com a morte de um passageiro no avião no qual parte da comitiva brasileira viajava para a Adis Abeba, no começo da semana. “O cidadão morreu numa prisão. Eu não sei se ele estava doente e eu não sei se ele tem algum problema, como morreu um cidadão no avião que veio para Etiópia trazer a delegação brasileira. (…) A gente vai culpar quem? Tem que fazer a perícia para depois saber”, argumentou.
Viagem à África foi ‘uma das mais importantes’
Ao fazer um balanço da visita ao continente africano, encerrada na capital etíope, o presidente disse que foi “uma das viagens mais importantes que já fez”, ao pavimentar uma “relação preferencial” com o continente africano.
“É um espaço extraordinário de futuro para quem acredita que o Sul global vai ser a novidade do século 21 na nova economia mundial. Quando nós falamos de clima e quando nós falamos de transição energética, de agricultura de baixo carbono, a gente olha o mapa do mundo e vê dois espaços extraordinários: um no continente latino-americano, dentro do mapa do Brasil, e o outro no continente africano, com a quantidade exuberante de milhões de hectares de terras a serem exploradas”, salientou. “E estou convencido de que os pobres são a solução do mundo contemporâneo.”
No contexto da Presidência brasileira do G20 este ano – razão pela qual Lula foi convidado a participar da 37ª Cúpula da União Africana –, o líder ressaltou que pretende dar um enfoque para as discussões sobre a reforma das instituições financeiras multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI). Segundo ele, estes organismos muitas vezes sufocam os países em desenvolvimento, em vez de ajudá-los. A dívida do continente africano, da ordem de US$ 860 bilhões “é praticamente impagável”, ressaltou Lula.
“A sugestão nossa é que os fundos que emprestaram esse dinheiro ou as instituições financeiras deveriam levar em conta a necessidade de transformar parte dessa dívida num ativo produtivo para que esse dinheiro, ao invés de voltar para a instituição que emprestou, volte para a construção de uma ferrovia, de uma rodovia, de uma hidrelétrica, de uma termoelétrica – ou seja, de alguma coisa que signifique desenvolvimento do continente”, defendeu.
Pela manhã, antes de partir para Brasília, Lula teve reuniões bilaterais com os presidentes do Quênia, William Ruto, e da Nigéria, Bola Tinubu, além do chefe do Conselho Presidencial da Líbia, Mohamed al-Menfi. A chegada à capital federal é prevista para a noite deste domingo.