O governo israelense tem forte propaganda midiática que coloca Israel como um Estado plural e democrático em diversas iniciativas, como a de bilionários que pagam milhões de dólares a artistas para se apresentarem em Tel Aviv para contribuir com o fortalecimento da imagem positiva de Israel no mundo.
Diante disso, há um chamado global de um movimento por Boicote, Desinvestimento e Sanções à Israel. O BDS, como é conhecido esta iniciativa, busca interromper ações de normalização do apartheid israelense ao redor do mundo. O alvo da organização são os “cúmplices” do Estado israelense enquanto os palestinos são atacados diariamente.
A Opera Mundi, o cofundador do BDS, Omar Barghouti, disse que a ideia do movimento é o “fim da ocupação militar de Israel e o desmantelamento de seu sistema de apartheid”. O próprio Barghouti é um refugiado palestino que cresceu no exílio, privado de sua própria terra na Palestina histórica.
“Para acabar com toda a violência, como buscamos no movimento BDS, todos nós devemos acabar com o sistema de opressão de Israel e todas as formas de cumplicidade com ele”, afirmou ele.
O chamado do Movimento por Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) foi lançado em 2005 ao fim da Segunda Intifada, após as frustrações da sociedade palestina em relação aos acordos de Oslo que não trouxeram a paz como premeditado. Com a tática de Boicote, a supressão de apoio a Israel e empresas envolvidas em violações dos direitos palestinos e inclui instituições esportivas, culturais e acadêmicas com Israel. No âmbito de Desinvestimentos, busca o objetivo de atingir bancos, conselhos locais, igrejas, fundos de pensão e universidades que investem em empresas israelenses e internacionais envolvidas em violações aos direitos palestinos. Por fim, Sanções pressiona governos a cumprir as obrigações legais, incluindo o fim do mercado militar, acordos de livre comércio e expulsão de Israel de fóruns internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Federação Internacional de Futebol (FIFA).
Atualmente, alguns grandes grupos empresariais receberam maior enfoque do movimento de boicotes pela cumplicidade com o regime israelense, sendo elas: Carrefour, PUMA, HP, McDonald’s, Siemens e Starbucks.
“O movimento BDS nunca viu esse conflito colonial como um binário entre palestinos, de um lado, e judeus, de outro. O movimento se opõe categoricamente a todas as formas de racismo, inclusive o antissemitismo, e se orgulha de ter muitos apoiadores judeus antissionistas em todo o mundo”, disse Barghouti.
Leia a entrevista de Opera Mundi com Omar Barghouti na íntegra:
Opera Mundi: o cenário na Palestina é sombrio e resultado de uma violência que se arrasta há mais de 75 anos. No entanto, ainda há desinformação desenfreada e debates sobre a situação palestina e o termo genocídio ainda gera algumas dúvidas. Você poderia nos dar uma introdução geral do conceito de genocídio e se o que Israel está praticando em Gaza pode ser considerado como tal?
Omar Barghouti: Há alguns dias, a ONU advertiu que Gaza está “correndo contra o tempo”, alertando sobre um genocídio iminente. O que eles queriam dizer é que, devido ao bombardeio indiscriminado de Israel contra todas as formas de vida e seu cerco completo a esse gueto moderno, os 2,3 milhões de palestinos presos na Faixa de Gaza estão morrendo.
Em Gaza, os crimes de guerra e os crimes contra a humanidade cometidos por Israel nas últimas semanas incluíram bombardeios indiscriminados, limpeza étnica, negação de ajuda humanitária e o uso ilegal e deliberado de armas explosivas e fósforo branco contra civis. Também incluíram o deslocamento forçado, o corte de água, alimentos, remédios e combustível, e o uso da “fome como arma de guerra”, conforme declarado pela Oxfam e por organizações palestinas de direitos humanos.
Israel já matou mais de 10.000 palestinos, incluindo mais de 4.300 crianças em pouco mais de um mês. Em 6 de novembro, o secretário-geral das Nações Unidas [António Guterres] disse que Gaza não é apenas uma crise humanitária, mas “uma crise de humanidade” e está se tornando “um cemitério de crianças”, já que Israel está matando uma criança a cada dez minutos, em média.
Tudo isso levou o famoso acadêmico israelense de genocídio Raz Segal e o especialista sênior da ONU Craig Mokhiber a alertar sobre “um caso exemplar de genocídio”. Mais de 880 acadêmicos internacionais, o Center for Constitutional Rights, com sede nos EUA, especialistas da ONU e organizações palestinas de direitos humanos também alertaram sobre um genocídio israelense em andamento em Gaza.
Movimento BDS
Cofundador do Movimento Boicote, Desinvestimento e Sanções, Omar Barghouti
A violência que se desenrola em Gaza é um lembrete de que a situação atual estava fermentando e se intensificando em todos os cantos do país. E perguntas como: “quem começou?” ou “quem disparou o primeiro tiro?” voltaram ao debate público. Como devemos analisar o conflito entre Israel e a Palestina?
As palavras do educador e filósofo brasileiro Paulo Freire, que escreveu: “com o estabelecimento de uma relação de opressão, a violência já começou. Nunca na história a violência foi iniciada pelos oprimidos. (…) A violência é iniciada por aqueles que oprimem, que exploram, que não reconhecem os outros como pessoas – não por aqueles que são oprimidos, explorados e não reconhecidos.” A reação do oprimido, quer se considere ou não legal ou eticamente justificável, é sempre apenas isso, uma reação à violência inicial do opressor. Para acabar com toda a violência, como buscamos no movimento BDS, todos nós devemos acabar com o sistema de opressão de Israel e todas as formas de cumplicidade com ele.
O BDS é visto como “a nova face do terrorismo” pela mídia corporativa, que tem interesses alinhados com Israel. Como você descreveria o cenário atual do Movimento de Boicote, Desinvestimento e Sanções com os ataques mais duros que vem enfrentando?
O movimento não violento BDS foi lançado em 2005 pela maioria absoluta da sociedade palestina, na Palestina histórica e no exílio. Ele exige o fim da ocupação militar de Israel de 1967; o desmantelamento de seu sistema de apartheid, conforme documentado pela Anistia Internacional e por um consenso global de organizações de direitos humanos; e o respeito ao direito dos refugiados palestinos de retornar às suas terras e receber reparações. Ancorado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, o movimento BDS se opõe categoricamente a todas as formas de racismo, inclusive a islamofobia e o antissemitismo. O BDS tem como alvo a cumplicidade, não a identidade.
O movimento de Boicote, Desinvestimento e Sanções vem tendo um impacto concreto e positivo sobre o movimento de libertação da Palestina?
Nos últimos 18 anos, o BDS ganhou apoio global de sindicatos, coalizões de trabalhadores rurais, bem como de movimentos de justiça racial, social e climática, que juntos representam dezenas de milhões de pessoas. O movimento obrigou grandes multinacionais a encerrar seu envolvimento com as violações dos direitos humanos de Israel e desempenhou um papel fundamental nas decisões de grandes fundos soberanos e das principais igrejas dos EUA de desinvestir em empresas cúmplices e bancos israelenses.
O movimento BDS nunca viu esse conflito colonial como um binário entre palestinos, de um lado, e judeus, de outro. O movimento se opõe categoricamente a todas as formas de racismo, inclusive o antissemitismo, e se orgulha de ter muitos apoiadores judeus antissionistas em todo o mundo. Nossos maiores parceiros judeus progressistas no mundo, a Jewish Voice for Peace (Voz Judaica pela Paz), sediada nos EUA, liderou uma inspiradora manifestação na Grand Central em Nova York e uma impressionante ocupação pacífica de um prédio do Congresso em Washington. O movimento BDS também tem um grupo parceiro judeu-israelense pequeno, mas muito eficaz, o Boycott from Within.
O único binário que vemos aqui é entre aqueles que apoiam a liberdade, a justiça e a igualdade para todos e aqueles que apoiam a manutenção do regime de colonização e apartheid de Israel.
Como a opressão é a causa principal da violência, aqueles de nós que se preocupam sinceramente em acabar com toda a violência – a violência inicial e contínua do opressor e a resistência reativa dos oprimidos – devem agir para acabar com a opressão. Como a luta que acabou com o apartheid na África do Sul demonstrou, acabar com a cumplicidade estatal, corporativa e institucional no sistema de opressão de Israel, especialmente por meio das táticas não violentas do BDS, são as formas mais éticas e estratégicas de solidariedade internacional para acabar com toda a opressão e, consequentemente, com toda a violência.
Acabar com a cumplicidade internacional no regime de opressão de Israel não serviria apenas para a luta pela libertação palestina. Serviria também para as lutas globais por justiça racial, econômica, social, de gênero e climática. Afinal de contas, Israel é um parceiro fundamental de grupos de extrema direita no Ocidente, a maioria dos quais é totalmente antissemita, e de regimes autoritários e despóticos, da Índia a Mianmar, dos Emirados Árabes Unidos a vários estados africanos. Ela vende suas tecnologias de segurança militar, inclusive spyware, como “testadas em batalha” – testadas principalmente em palestinos.