A guerra em Gaza está prestes a ultrapassar o número de mortes de 1948, ano da Nakba. Naquele mesmo ano da Catástrofe, nasceu em Nova York o historiador e escritor palestino-americano Rashid Khalidi, que tem a mesma idade que a luta do seu povo.
Em 1899, seu tataravô Yusuf Diya al Khalidi, então prefeito de Jerusalém, escreveu a um dos pais do sionismo, Theodor Herlz, para avisá-lo de que os palestinos não aceitariam ser expulsos. O intelectual que hoje ocupa o lugar de Edward Said, dedicou sua carreira a estudar o que descreve como o “projeto colonial” israelense. Khalidi é professor de estudos árabes na Universidade Columbia.
Autor, entre outros livros, de The Hundred Years’ War on Palestine: A History of Settler Colonialism and Resistance, 1917-2017 (Metropolitan Books), Khalidi escreveu uma biografia na qual não fala da ideia de um país que é o seu – mas não existe como Estado fora do coração de milhões de refugiados e exilados que continuam com as chaves das suas casas guardadas. Também publicou mais de 80 artigos sobre história e política do Médio Oriente, incluindo peças no The New York Times, Boston Globe, Los Angeles Times, Chicago Tribune, entre outros.
Nesta entrevista a Opera Mundi, o escritou fala sobre o cada vez mais assustador número de vítimas da ofensiva israelense a Gaza e sobre a postura do governo de Joe Biden, que tem comandado um fluxo aberto de armas e apoio a Israel.
Anadolu
Ofensiva de Israel já matou mais de 14 mil pessoas em Gaza desde o início da ofensiva atual, em 7 de outubro
Opera Mundi – Há muitos anos, você analisa cuidadosamente o contexto Israel e Palestina. Com a guerra atual, o que você acredita que mudou na opinião pública a respeito de Israel?
Rashid Khalidi: Depois de um período de empatia em relação a Israel após a revelação do alto número de vítimas civis durante as primeiras semanas da guerra, a opinião pública global mudou de forma decisiva à luz da matança de Israel de talvez 15 mil pessoas (com milhares de outras desaparecidas, provavelmente mortas e enterradas sob os escombros). Cerca de 70% das vítimas são crianças, mulheres e idosos, e isso é evidente para o mundo, apesar de ter sido ocultado por grande parte da mídia ocidental dominante.
Analisando a cobertura midiática atual, acredita que há uma fissura na representação idílica de Israel com uma aproximação de uma representação mais realista dos palestinos?
Houve uma certa mudança, mas ela ocorreu principalmente na mídia não convencional e nas redes sociais. Ainda há uma forte pressão de cima para baixo em grande parte da mídia para continuar a apresentar uma imagem focada na imagem a favor de Israel.
A crescente brutalidade dos ataques israelenses, juntamente com a crescente dependência de Israel da extrema direita nos Estados Unidos, desencadearam uma perda significativa de apoio dos setores progressistas. A era de impunidade de Israel pode estar chegando ao fim?
Há uma mudança significativa nos círculos progressistas e em alguns círculos intelectuais favoráveis ao apoio aos direitos dos palestinos, como é evidenciado na base do Partido Democrata, que se opôs fortemente ao governo Biden que apoiou a guerra de Israel em Gaza. Israel agora está começando a ser visto de forma negativa pela maioria dos americanos. Entretanto, a narrativa palestina ainda não é bem conhecida nos Estados Unidos, e há muitos estereótipos negativos. Esses estereótipos foram reforçados por uma propaganda implacável de atrocidades que ganhou grande repercussão durante os primeiros dias da guerra, em resposta ao que provavelmente constituiu o maior número de mortes de civis (cerca de 800) na história de Israel (o maior número anterior foi de pouco mais de 700 nos quatro anos da segunda intifada). O fato de estarmos nos aproximando do maior número de mortes de civis na história da Palestina (o maior número anterior foi de cerca de 20 mil em 1948) provavelmente passará despercebido pela grande mídia.
O senhor acredita que uma oscilação da relação Estados Unidos e Israel está próxima?
Há uma pequena chance disso acontecer enquanto as lideranças de ambos os partidos políticos dos Estados Unidos, todo o establishment da política externa, o empresariado e a mídia forem resolutamente pró-Israel, não importa o que eles façam. Qualquer mudança de base levará muito tempo para afetar esse poderoso consenso pró-Israel que existe no topo.