O índice de inflação na zona do euro bateu um novo recorde em março, alcançando 7,5% no acumulado de 12 meses, e ainda deve acelerar mais daqui para a frente devido ao aumento dos preços da energia, no contexto de guerra na Ucrânia. Um cenário que complica a tarefa do Banco Central Europeu (BCE), forçado a reagir, simultaneamente, ao aumento dos preços e à desaceleração do crescimento econômico.
Em fevereiro, a inflação havia sido de 5,9% para os 19 países que adotam a moeda única, o que já representava o maior índice registrado pela agência europeia de estatísticas desde o início da medição dos preços ao consumidor na região, em janeiro de 1997.
A tendência não é nova. Desde novembro de 2021, a inflação não para de bater recordes nos países que usam o euro, forçando os governos a intervirem para proteger os seus consumidores. Medidas como redução de impostos, redução do preço do transporte público ou mesmo a criação de um teto para os preços de energia entram em discussão. Nas últimas semanas, governos europeus multiplicaram os anúncios nesse sentido.
Na França, onde os preços da gasolina já ultrapassam, em média, a barra dos € 2 por litro, um desconto de 15 centavos por litro de combustível entrou em vigor nesta sexta-feira (1°). O governo francês também anunciou uma ajuda de € 100, aproximadamente R$ 650, a todos as pessoas que ganham menos de € 2 mil, quase R$ 13 mil por mês. Chamada de “cheque inflação”, a medida deve beneficiar 38 milhões de franceses.
A Espanha também divulgou um pacote de ajuda de € 6 bilhões, na quarta-feira (30/03).
A alta da inflação é alimentada pela disparada dos preços do petróleo, gás e energia elétrica. As tarifas da energia aumentaram 44,7% no acumulado do último ano, após uma alta de 32%, em fevereiro.
Todos os componentes do índice são afetados por uma aceleração dos preços, com destaque para os alimentos: +5%, após +4,2% em fevereiro. Os bens industriais subiram 3,4% em março, após 3,1%, no mês anterior. Até os preços dos serviços decolaram: +2,7% em março, contra 2,5%, em fevereiro.
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A alta da inflação é alimentada pela disparada dos preços do petróleo, gás e energia elétrica
Inflação com baixo crescimento
Partidário da ortodoxia monetária, o presidente do Banco Central alemão, Joachim Nagel, pediu nesta sexta-feira ao BCE que “não perca a oportunidade de tomar as contramedidas apropriadas” para conter a alta dos preços. Porém, uma política muito rígida poderia prejudicar o crescimento que mal começa a se recuperar das consequências da pandemia de Covid-19.
A guerra na Ucrânia, lançada em 24 de fevereiro pela Rússia, “acentuou a inflação e reduziu o crescimento simultaneamente”, sublinhou, na quarta-feira, a presidente do BCE, Christine Lagarde. Tal cenário ameaçaria a região com a temida “estagflação”, uma situação econômica que combina inflação alta e estagnação da atividade.
Em 10 de março, o BCE já havia reduzido a previsão de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) para este ano na zona do euro a 3,7% (contra 4,2% previstos anteriormente). Ao mesmo tempo, a instituição elevou a sua projeção de inflação para 5,1%, (contra 3,2%).
O BCE deverá trabalhar para garantir a sua credibilidade, prejudicada no ano passado pelo discurso que reafirmava a natureza “temporária” do surto inflacionário.
Entre os membros mais conservadores do BCE, os presidentes dos bancos centrais da Áustria e da Holanda têm defendido, repetidamente, aumentos de taxas a partir deste ano para evitar uma alta geral dos preços.
Efeito guerra
A Rússia é o principal fornecedor de gás da União Europeia (EU) e o segundo maior exportador de petróleo do mundo. Assim como a Ucrânia, a Rússia também é uma grande potência agrícola: juntos, os dois países representam 30% das exportações mundiais de trigo. As tensões e as incertezas sobre a oferta do produto causaram um aumento nos preços das commodities nos mercados mundiais, nos últimos meses.
Descrita no ano passado como um fenômeno temporário, a inflação da zona do euro deve durar pelo menos até o final deste ano, impulsionada “principalmente pelos preços da energia e dos alimentos”, observa Bert Colijn, analista do banco ING, que espera um novo aumento no próximo mês, sem excluir “uma taxa de dois dígitos”. “O pior já passou? Podemos duvidar”, conclui.