O resultado da eleição presidencial na Rússia que reelegeu Vladimir Putin pode se tornar um fortalecimento para os países do Sul Global, em detrimento do Ocidente. Essa é a opinião de alguns especialistas que Opera Mundi ouviu após os resultados do pleito.
Para eles, o mandatário, neste quinto mandato, irá cumprir um papel de protagonismo em enfrentamento à hegemonia geopolítica ocidental.
A doutoranda em ciência política e pesquisadora da identidade russa Giovana Branco disse que a vitória de Putin deu um sinal verde para a continuidade da atual política externa do governo, destacando que o presidente foi “capaz de forjar novas alianças orientais que são fundamentais para a resistência da economia” do país.
Nesse sentido, a pesquisadora aponta que tais alianças fazem da Rússia “cada vez mais protagonista” entre países “considerados páreas” pelos Estados Unidos e União Europeia.
“Em relação ao Sul Global, observamos um interesse crescente da Rússia na América Latina e na África. Ao denominar tais regiões como ‘maioria global’, a Rússia sinaliza seu interesse em novas parcerias. Possivelmente, os próximos anos de Putin no poder serão marcados por maior ênfase no BRICS e seu papel global”, disse Branco.
Vale recordar que a próxima cúpula do bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul e novos parceiros será em Moscou.
Na mesma linha, o geógrafo e mestre em estudos estratégicos da defesa e segurança Tito Pereira defendeu a Opera Mundi que a vitória de Putin sinaliza uma continuidade do projeto que começou nos anos 2000: “o mandatário russo realizava uma diplomacia triangular para alguns países emergentes e com o Brasil incluído como um importante parceiro da América Latina, mas a prioridade foi dada a países como Índia e China”.
Nesse sentido, ele enfatizou que esta diplomacia se intensifica a partir da anexação da Criméia em 2014, visto que as sanções norte-americanas e europeias começam a ser impulsionadas, fazendo com a Rússia busque reorganizar a economia e política externa.
“A Rússia abraçou a concepção da multipolaridade como uma ferramenta de recriar um espaço internacional em que esteja em uma posição mais forte. Nos anos 1990, a Rússia foi marginalizada pela hegemonia ocidental, então, é consequência que se afaste do Ocidente”, concluiu.
Apoio para guerra
Após dois anos de conflito, a Rússia admitiu pela primeira vez que está em “estado de guerra” com a Ucrânia. De acordo com a avaliação do historiador Rodrigo Ianhez, a reeleição de Putin é o resultado que o governo russo esperava para demonstrar evidência de apoio à guerra.
Essa também uma visão que a pesquisadora Bianco defendeu, destacando que, para ela, Moscou não parece ter interesse em um cessar-fogo com Kiev apesar da balança pender para os russos no momento.
Inhaez afirmou ainda que a vitória é um voto pela continuidade do projeto político atual, mas disse que a disputa eleitoral pela Casa Branca este ano pode também definir os rumos do conflito: “o Ocidente não esperava outro resultado. E as eleições norte-americanas vai ser muito mais decisiva para a guerra na Ucrânia do que as eleições russas”.
Especialista no período soviético e morando em Moscou há mais de uma década, Ianhez afirmou que os partidos de oposição fizeram um “esforço para não tirar votos do Putin, como o Partido Comunista que tradicionalmente levavam um segundo lugar ali mais ou menos respeitável e escolheram um candidato não tão carismático”.
Porém, ele reiterou que para Putin se manter no poder em próximas eleições, será necessário mudanças constitucionais. Atualmente, segundo a Carta Magna do país, este seria o último mandato de presidente.
“Nada indica que Putin esteja preparando sucessores. Para isso, vai ter de fazer uma mudança na legislação para que se eleja nos próximos seis anos”, disse.