A África é responsável por menos de 10% das emissões globais de gases de efeito estufa, mas sofre desproporcionalmente com as alterações climáticas. Isso prejudica a segurança alimentar, os ecossistemas e as economias dos países do continente, aumenta o deslocamento de pessoas e a migração, e agrava a ameaça de conflitos devido à diminuição dos recursos.
Essa cadeia de consequências está no relatório Estado do Clima na África, da Organização Meteorológica Mundial (OMM), braço da Organização das Nações Unidas (ONU) para questões climáticas e relativas à água, divulgado em 4 de setembro, cinco dias antes da tempestade trágica na Líbia.
O documento mostra que o aumento da temperatura na África acelerou nas últimas décadas, o que agrava os perigos meteorológicos e relacionados com o clima. No entanto, o financiamento para lidar com a adaptação climática é apenas uma “gota no oceano daquilo que é necessário”, segundo a organização.
Mais de 110 milhões de pessoas no continente foram diretamente afetadas pelas condições meteorológicas, climáticas e perigos relacionados com a água em 2022, causando mais de 8,5 bilhões de dólares em danos econômicos. Foram registradas 5 mil mortes no mesmo ano, sendo 48% associadas à seca e 43% a inundações. Mas o verdadeiro número de vítimas será provavelmente muito mais elevado devido à subnotificação, prevê a OMM.
Ondas de calor
Dentre os fenômenos meteorológicos agravados pelo aquecimento global, aqueles que provocam mais mortes são as ondas de calor, explica Carlos Nobre, cientista especialista em clima, ao Brasil de Fato.
“Já estamos com 30% a mais de chuvas fortes e 70% a mais de ondas de calor. Isso porque estamos com uma perspectiva de aumento de 1,3 graus Celsius na temperatura global para este ano”, afirma Nobre, fazendo comparações com a média do período 1850-1900, utilizado nos estudos sobre o clima para embasar as metas de combate ao aquecimento global.
ACNUR
Informe afirma que emergência climática na Líbia seria um dos exemplos dos efeitos desproporcionais da crise climática na África
Existe um consenso de que, para a temperatura do planeta não subir além de 1,5 graus em relação ao período 1850-1900, é preciso reduzir em quase 50% as emissões até 2030 e zerar as emissões líquidas. Na semana passada, no entanto, a ONU lançou um relatório mostrando que, no ritmo atual, a temperatura vai subir de 2,4 a 2,6 graus até 2050.
“Por mais que eventos extremos estejam causando números gigantescos de mortes, a emissão de gases de efeito estufa não diminui. Neste ano, vão bater o recorde de 2022”, afirma o documento.
Emissão líquida é a diferença entre a emissão real e a quantidade capturada. Para se ter uma chance de limitar o aquecimento médio do planeta a não mais de 1,5 graus, é preciso uma redução anual média de emissão líquida da ordem de 8%. Por isso, além de deixar de emitir gás carbônico, é necessário promover a captura desse gás. Ao retirar carbono da atmosfera ou da biosfera, cria-se uma espécie de “emissão negativa”, que teria poderia frear o aquecimento do planeta, segundo o Nexo Jornal.
Impactos devastadores
“A África é o continente que tem menos capacidade para lidar com os impactos negativos das alterações climáticas. Ondas de calor, chuvas fortes, inundações, ciclones tropicais e secas prolongadas têm impactos devastadores nas comunidades e nas economias, com um número crescente de pessoas em risco”, afirmou o secretário-geral da OMM, Petteri Taalas. Segundo ele, existem lacunas nas observações meteorológicas e os serviços de alerta precoce são inadequados em muitos países do continente.
A agricultura é o pilar principal das economias nacionais na África, absorvendo mais de 55% da força de trabalho. Mas a produtividade agrícola do continente é mais afetada pelas condições climáticas do que o campo de outras regiões do mundo, segundo o relatório da OMM.
O documento informa ainda que as alterações climáticas e a diminuição da base de recursos naturais podem alimentar conflitos pelas escassas terras produtivas, água e pastagens.