É provável que quase cinco vezes mais pessoas morram de calor extremo na Terra nas próximas décadas, advertem especialistas internacionais em um relatório publicado na quarta-feira (15/11), alertando que “a saúde da humanidade está em grave perigo” se nada for feito em relação à mudança climática.
No cenário previsto de aumento de temperatura global de 2°C até o final do século (segundo especialistas, atualmente, está em curso para atingir 2,7°C até 2100), espera-se que as mortes anuais relacionadas ao calor aumentem em 370% até 2050, ou seja, um aumento de 4,7 vezes, de acordo com a edição de 2023 de um documento de referência publicado anualmente pela revista médica The Lancet.
E o calor residual é apenas uma das ameaças à saúde humana decorrentes do uso crescente de combustíveis fósseis, confirma essa “contagem regressiva sobre saúde e mudança climática” apenas algumas semanas antes da conferência internacional sobre o clima (COP28) em Dubai, onde, pela primeira vez, um dos dias será dedicado à saúde, em 3 de dezembro.
Secas mais frequentes que colocam milhões de pessoas em risco de fome, mosquitos que viajam mais longe e transmitem doenças infecciosas e sistemas de saúde que lutam para lidar com o ônus estão entre os outros perigos destacados no relatório, que apresenta 47 indicadores.
Apesar dos apelos cada vez mais urgentes para uma ação global, as emissões de carbono relacionadas à energia atingiram novos patamares no ano passado, lamentam os autores do relatório, que critica os governos, as empresas e os bancos que ainda subsidiam e investem maciçamente nos combustíveis fósseis que estão alimentando o aquecimento global.
Alerta precoce
Em 2022, as pessoas em todo o mundo foram expostas, em média, a 86 dias de temperaturas potencialmente letais, de acordo com a “contagem regressiva” da Lancet. E o número de pessoas com mais de 65 anos que morrem por causas relacionadas ao calor aumentou 85% entre 1991-2000 e 2013-2022, segundo o relatório.
Essas estimativas surgem no momento em que 2023 parece destinado a ser o ano mais quente da história da humanidade: o Observatório Europeu do Clima disse que o mês passado foi o outubro mais quente já registrado. “Os efeitos que estão sendo observados atualmente podem ser apenas um sintoma inicial de um futuro muito perigoso”, disse Marina Romanello, diretora executiva do relatório.
No cenário de aquecimento de 2°C até 2100, o impacto sobre a saúde humana excederia o excesso de mortalidade. Cerca de 520 milhões de pessoas a mais se encontrariam em situação de insegurança alimentar moderada ou grave até a metade do século, de acordo com projeções publicadas pela revista.
E as doenças infecciosas transmitidas por mosquitos continuariam a se espalhar para novas áreas. A transmissão da dengue poderia aumentar em 36%.
Diante desses múltiplos impactos da mudança climática, mais de um quarto das cidades estudadas pelos pesquisadores expressou o temor de que seus sistemas de saúde ficassem sobrecarregados.
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No cenário de aquecimento de 2°C até 2100, o impacto sobre a saúde humana excederia o excesso de mortalidade
Rio 60 graus: estimativa de um futuro insuportável
“Estamos enfrentando crise após crise”, disse Georgiana Gordon-Strachan, cujo país natal, a Jamaica, está passando por uma epidemia de dengue, aos autores do relatório. O documento ainda ressaltou que “os habitantes dos países mais pobres, que geralmente são menos responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa, pagam o preço dos impactos na saúde, mas têm menos capacidade financeira e técnica para se adaptar a tempestades mortais, elevação dos mares e secas devastadoras, que são exacerbadas pelo aquecimento global”.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, que tem alertado repetidamente sobre as mudanças climáticas, respondeu ao relatório dizendo que “a humanidade enfrenta um futuro insuportável”.
“Já estamos vendo uma catástrofe para a saúde e a vida de bilhões de pessoas em todo o mundo, ameaçadas por calor recorde, secas que destroem plantações, fome crescente, aumento de surtos de doenças infecciosas, tempestades mortais e inundações”, disse Guterres em um comunicado.
Como o Rio de Janeiro, destaque na imprensa internacional por ter atingido um recorde assombroso na terça-feira (14/11), a temperatura nominal foi de 39°C, mas a sensação térmica atingiu 58,5°C, segundo o sistema de monitoramento Alerta Rio, da prefeitura. Esta foi a “maior temperatura desde o início dos registros” em 2014. O recorde anterior de sensação térmica de 58°C havia sido registrado em fevereiro.
Grande parte do Brasil está passando por uma onda de calor extremo desde o fim de semana. O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) colocou 15 estados do sudeste, centro-oeste e parte do norte do país, bem como a capital, Brasília, em alerta máximo.
Com 37,3°C, Brasília registrou na terça-feira a temperatura mais alta para um mês de novembro desde o início dos registros em 1962, de acordo com o Inmet.
Na segunda-feira, a maior cidade da América Latina, São Paulo, registrou o segundo dia mais quente da história, com 37,7°C, um pouco abaixo dos 37,8°C registrados em outubro de 2014.
Alertas pelo mundo
Dann Mitchell, do departamento de riscos climáticos da Universidade de Bristol, no Reino Unido, disse ao Science Media Center que os alertas de saúde “já catastróficos” sobre as mudanças climáticas “não conseguiram convencer os governos a reduzir as emissões de carbono o suficiente para cumprir a primeira meta do Acordo de Paris de +1,5°C”.
Para Marina Romanello, sem um progresso real contra as mudanças climáticas e as emissões de gazes que provocam o efeito stufa, “a crescente ênfase na saúde nas negociações climáticas corre o risco de se tornar apenas uma retórica”.