Mais de 600 cientistas europeus e cerca de 300 indígenas pediram que a União Europeia (UE) vincule as importações oriundas do Brasil à proteção do meio ambiente e dos direitos humanos. O pedido foi feito numa carta publicada nesta quinta-feira (25/04) na revista científica Science.
“O Brasil, país que abriga uma das últimas grandes florestas do planeta, está atualmente em negociações comerciais com seu segundo maior parceiro comercial, a União Europeia. Pedimos que a UE aproveite essa oportunidade crítica para garantir que o Brasil proteja os direitos humanos e o meio ambiente”, destaca o texto.
Na carta, os pesquisadores exigem que a União Europeia condicione as negociações comerciais com o Brasil à manutenção das diretrizes estabelecidas na Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, melhore os procedimentos de rastreamento de commodities oriundas de regiões desmatadas ou de conflito agrário, e consultem povos indígenas e comunidades locais para definir critérios socioambientais para o comércio de commodities.
Os cientistas afirmam ainda que a UE precisa reforçar os esforços para estimular o comércio sustentável, além de defender compromissos com direitos humanos, proteção ambiental e mitigação das mudanças climáticas.
“A UE foi fundada nos princípios do respeito aos direitos humanos e da dignidade humana. Hoje tem a oportunidade de ser um líder global no apoio a esses princípios e no clima habitável, ao fazer da sustentabilidade o pilar de suas negociações comerciais com o Brasil”, diz o texto.
Num comunicado divulgado após a publicação da carta, os autores do documento disseram que o conflito de terra está aumentando no Brasil e ao menos nove pessoas foram mortas em regiões da fronteira do desmatamento neste mês.
A carta lembra que a preservação de florestas, áreas úmidas e savanas no Brasil é fundamental para a biodiversidade mundial, a estabilidade do clima e a diversidade dos povos indígenas. O texto acusa ainda o governo de Jair Bolsonaro de desmantelar políticas de combate ao desmatamento, ameaçando direitos indígenas e o meio ambiente.
“As greves de estudantes e os protestos pelo clima na Europa mostraram que nós não podemos mais aceitar práticas de produção que causam as mudanças climáticas”, afirmou Tiago Reis, um dos editores da carta.
Os cientistas afirmam que a União Europeia importou do Brasil mais de 2 bilhões de euros (2,24 bilhões de dólares) em ração pecuária em 2017, “sem saber se foi cultivada em terras desmatadas ou associada a conflitos” com tribos indígenas, observou o manifesto.
O texto argumenta que conter o desmatamento traz benefícios econômicos, lembrando que as florestas são fundamentais para os padrões de chuvas, dos quais a agricultura brasileira depende. “A restauração de terras degradadas e a melhoria da produtividade poderia atender a demanda agrícola crescente por no mínimo duas décadas sem a necessidade de mais desmatamentos”, acrescenta.
Um relatório divulgado nesta quinta-feira pela ONG Amazon Watch revelou que empresas da Europa e dos Estados Unidos compram produtos, como carne e madeira, de fornecedores multados por desmatamento no Brasil.
A União Europeia e o Mercosul negociam há mais de duas décadas um acordo comercial. Em 2004, os dois blocos chegaram a trocar propostas, mas a iniciativa fracassou diante da discordância sobre a natureza dos produtos e serviços que seriam englobados no acordo. Os sul-americanos queriam mais acesso ao controlado mercado agrícola europeu. Já a UE desejava avançar no setor de serviços e comunicações dos países do Mercosul.
Nos últimos três anos, as negociações tiveram um progresso significativo, mas ainda esbarram em várias divergências envolvendo a indústria automobilística dos dois países e a circulação de produtos como carne bovina. Várias associações de produtores europeus temem a concorrência dos brasileiros, já os brasileiros não ficaram satisfeitos com o sistema de cotas oferecido pelos europeus.
CN/efe/dpa/ots
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Texto argumenta que conter o desmatamento traz benefícios econômicos