A 27ª Conferência do Clima (COP27) começou oficialmente no domingo (06/11), enquanto a cúpula de chefes de Estado será realizada nesta segunda (07/11) e terça-feira (08/11). Altamente antecipada por países vulneráveis, a questão da indenização por danos causados por desastres climáticos estará pela primeira vez na agenda oficial. O Brasil não estará entre os países que discursarão no plenário da ONU nestes dois dias.
Foi uma transferência de liderança ou uma verdadeira batata quente entre as duas presidências da COP, do britânico Alok Sharma ao egípcio Sameh Shoukry, neste domingo em Sharm el-Sheikh? Com a pressão exercida em todos os lugares pelo aquecimento global, e particularmente dolorosa nos países pobres e emergentes – da Nigéria ao Paquistão, da Somália às Filipinas – a questão surge com crescente acuidade, enquanto a eficácia da COP é questionada em alto e bom som.
Um ano após a Conferência do Clima de Glasgow, cerca de 40.000 participantes – delegações, mídia, ONGs, empresas, observadores – são esperados na estância balnear egípcia de Sharm el-Sheikh, entre um Mar Vermelho com seus corais sofridos e as portas do deserto.
O mundo deixou Alok Sharma chorando e pedindo perdão no final de uma COP26 extenuante por resultados muito escassos em vista dos riscos. Nós o encontramos animado no pódio do domingo ao meio-dia, endereçando uma satisfação às suas equipes: “Graças ao nosso trabalho, alcançamos nosso objetivo: mantivemos vivo o 1,5°C”, objetivo e lei de ferro do Acordo de Paris, que visa manter o aquecimento global abaixo de 2°C e idealmente em 1,5°C.
“A presidência do Reino Unido mostrou que o progresso é possível, está chegando e continua”, disse ele, reconhecendo “a escala do desafio que ainda temos pela frente”. Alok Sharma destacou que “graças aos compromissos assumidos antes e durante a COP26, as emissões em 2030 devem cair 6 gigatoneladas, ou o equivalente a 12% das emissões globais anuais”.
Emissões continuam a progredir
No entanto, estes são apenas compromissos não vinculativos do país. Além disso, embora o Pacto de Glasgow tenha possibilitado alguns “avanços”, em particular nas promessas de neutralidade de carbono, as emissões continuam a progredir e permanecem muito, muito longe da redução de 45% recomendada pela ciência para conter o aquecimento global. E apenas 29 dos 96 países participantes apresentaram novas ambições (contribuições determinadas nacionalmente) às vésperas da COP27.
O objetivo ideal do Acordo de Paris parece cada vez mais quimérico, e o próprio Antonio Guterres não tem mais palavras duras suficientes para os estados cujos compromissos “lamentavelmente não estão à altura”. “Nosso mundo não pode mais se permitir o greenwashing, o fingimento, os retardatários”, disse ele em uma mensagem de vídeo postada no Twitter em 27 de outubro. “Com as atuais políticas climáticas, o mundo caminha para 2,8 graus de aquecimento até o final do século. Em outras palavras, estamos caminhando para uma catástrofe global”.
Antonio Guterres falou também sobre o relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM), publicado ontem, que elabora um inventário do estado do clima do planeta.
“A OMM deixa claro que a mudança está chegando com uma rapidez catastrófica, destruindo vidas e recursos em todos os continentes; os últimos oito anos foram os mais quentes já registrados e geraram ondas de calor cada vez mais intensas e perigosas, especialmente para as populações mais vulneráveis; o nível do mar está subindo duas vezes mais rápido do que na década de 1990 e isso é uma ameaça para os Estados insulares e as bilhões de pessoas que vivem nas regiões costeiras; as geleiras estão derretendo cada vez mais rápido, e isso está comprometendo o acesso à água em todos os continentes […] Devemos responder às mensagens de angústia do planeta com ação. Devemos agir com ambição e credibilidade. A COP 27 é a hora e o lugar para fazer acontecer.”
COP27/Twitter
COP27 recebe líderes mundiais nesta segunda-feira (07/11)
Um contexto global desfavorável
O “desafio” apontado por Alok Sharma torna-se muito mais complexo à luz do contexto geopolítico, do final da pandemia, e da tripla crise inflacionária, alimentar e energética. Seu sucessor como presidente da COP, o ministro das Relações Exteriores egípcio Sameh Shoukry, que foi formalmente eleito presidente da COP27 para um mandato de um ano, pediu aos países que “superem as atuais tensões políticas” e trabalhem juntos pelo clima.
Mas, para além do contexto geopolítico, também será necessário superar as tensões dentro da própria Conferência. Há vários anos, os representantes dos países do Norte, industrializados e historicamente responsáveis pelo aquecimento global, prometem ajuda financeira aos países do Sul, mais vulneráveis.
As finanças estarão de fato no centro das preocupações desta COP africana, o continente mais afetado e também o menos emissor, com apenas cerca de 3% das emissões globais de gases de efeito estufa. “Chegamos a um ponto em que as finanças fazem ou desfazem o programa de trabalho que temos diante de nós”, disse Alok Sharma. “Eu ouço as críticas e concordo que mais precisa ser feito por governos e bancos multilaterais de desenvolvimento, incluindo dobrar o financiamento para adaptação até 2025 e estabelecer uma meta pós-2025.”
No momento, a maior parte do financiamento previsto vai para a mitigação (redução das emissões) e apenas estagna em US$ 83 bilhões dos US$ 100 bilhões previstos desde 2009 e que deveriam ser recolhidos em 2020. O presidente Shoukry insistiu neste ponto no seu discurso inaugural: “A promessa de 100 bilhões não foi concretizada” e “muito do financiamento” já alocado “depende de empréstimos”, ou seja, está sujeito a ressarcimento, ao contrário de doações, outra queixa dos países do Sul global.
Shoukry lamenta que esta situação conduza a um clima pesado entre Norte e Sul, “posições polarizadas” que “atrasam as negociações”. E pleiteia: “Devemos trabalhar com honestidade por soluções consensuais, apelando à aceleração da implementação de políticas e acordos”.
“Implementação” foi um dos termos mais utilizados nos discursos de posse e é o objetivo principal da presidência egípcia.
Perdas e danos: um assunto crucial
E, se há um assunto que tende a dividir os dois hemisférios, é aquele, “crucial” segundo o termo usado por Simon Stiell, secretário executivo da Convenção-Quadro das Nações Unidas, de “perdas e danos”, ou os danos causados pelos efeitos das mudanças climáticas e dos quais as economias dos países menos desenvolvidos não podem se recuperar. Finalmente, isso foi, de fato, incluído na agenda oficial das negociações.
Um Diálogo de Glasgow havia sido decidido pelos países do Norte na última COP para não ter que aceitar a proposta do Sul de ter um mecanismo financeiro especificamente dedicado a essa questão. Iniciado em junho, deve durar até 2024. O processo foi um pouco acelerado pela ascensão desta questão ao centro das atenções, uma maneira que o Sul encontrou para dizer: não temos três anos.
Esta é uma novidade histórica e um ponto ganho para os países desfavorecidos, que não podem se adaptar nem pagar pelos danos causados por fenômenos cada vez mais violentos e frequentes. “Temos um pé na porta e agora temos que abri-la bem”, reage Fanny Petitbon, especialista no assunto da ONG Care, que trata desse processo há mais de 15 anos. “É fundamental obter desta COP uma decisão dos Estados sobre a criação de um mecanismo de financiamento dedicado a “perdas e danos. É uma questão de justiça climática”, diz.
Esta inscrição do tema perdas e danos na agenda da COP27 “reaviva a luta por justiça para as comunidades que perdem suas casas, suas colheitas agrícolas e seu dinheiro”, saudou Harjeet Singh, chefe de estratégia política global da Rede Internacional de Ação Climática (CAN): “Uma nova luta pelo financiamento das perdas e danos começa”.
A batalha está, no entanto, longe de ser vencida, pois algumas vozes do Norte – Estados Unidos, UE – se opõem a ela. Especialmente porque, por mais importante que seja no processo, esta Conferência do Clima também é muitas vezes vista como uma COP de transição, entre a grande reunião que foi Glasgow sobre o tema da ambição dos países de reduzir sua pegada de carbono, e a COP28, que será a ocasião para uma revisão global dos progressos alcançados desde o Acordo de Paris.