A França poderá sofrer restrições de água a partir de março, em consequência de um novo recorde de 32 dias sem chuvas e um inverno muito seco que comprometeu a reposição dos lençóis freáticos, já esgotados pela seca histórica de 2022. Nesta quinta-feira (23/02), choveu em algumas cidades do país, mas segundo os meteorologistas, não é suficiente para mudar esse cenário de preocupação.
“A França está em alerta” e “estamos cerca de 2 meses atrasados no preenchimento” dos lençóis freáticos, reconheceu na quarta-feira (22/02), em entrevista ao canal Franceinfo, Christophe Béchu. O ministro da Transição Ecológica é o encarregado de gerir as tensões no país sobre o uso da água, um recurso muito disputado entre a agricultura, a produção de energia, o lazer e os ecossistemas.
Na próxima segunda-feira (27/02), Béchu deverá reunir prefeitos para “tomar medidas restritivas pontuais, já a partir de março, a fim de evitar situações catastróficas com a aproximação do verão francês.
Enquanto isso, o departamento dos Pirineus Orientais, no sudoeste, está em alerta de seca desde junho, e o departamento do Var (Sul), desde sexta-feira. No de Landes, no sudoeste, mil agricultores protestaram na terça-feira preventivamente para defender suas cotas de uso da água e a construção de estruturas de armazenamento.
“Não há agricultura sem água”, reforçou o ministro da Agricultura, Marc Fesneau, nesta quarta-feira, perante jornalistas, confirmando que 60 novos projetos de obras hidráulicas agrícolas serão implantados até junho”. No entanto, esses projetos estão causando grande tensão com ativistas ambientais, que pedem para o governo repensar o modelo agrícola para se adaptar às mudanças climáticas.
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Nesta quinta-feira (23/02), choveu em algumas cidades do país, mas não será suficiente para mudar cenário de preocupação
França não tem cultura de reutilizar água
É hora, portanto, de economizar água, tema no qual a França é péssima aluna. “Tínhamos uma cultura de abundância”, disse o ministro Béchu, com “menos de 1% de nossas águas residuais tratadas”, enquanto o índice de reutilização “é 10 vezes maior na Itália, 20 vezes na Espanha.” Se comparado com Israel, o volume de água reutilizada na França é quase 85 vezes menor. Com relação à distribuição, “20% da nossa água potável vaza e não temos plano” para remediar o problema, acrescentou.
Em 2019, a França bombeou cerca de 31 bilhões de metros cúbicos de água por ano, enquanto 208 bilhões de metros cúbicos são renovados anualmente em ambientes naturais, segundo estatísticas do ministério.
O “Plano Água” do governo, composto por cerca de cinquenta medidas que deveriam ser implantadas após as lições aprendidas com a crise de 2022, quando quase todos os departamentos franceses tiveram restrições, está atrasado. Previsto para ser anunciado em janeiro, o plano tem previsão de ser revelado até o final de março.
Calor e seca
A França metropolitana não registou chuvas consideráveis de 21 de janeiro a 21 de fevereiro. A precipitação acumulada é inferior a 1 mm diário. A seca atual já bateu o recorde de 31 dias sem chuva estabelecido em 2020, durante o confinamento da Covid-19. A situação é mais preocupante porque ocorre no inverno, período crucial para a recarga das águas subterrâneas.
“Desde agosto de 2021, todos os meses tiveram déficit de precipitação, à exceção de dezembro de 2021, junho de 2022 e setembro de 2022”, sublinha a Météo-France, acrescentando que “o mês de fevereiro de 2023 deverá terminar com um déficit de precipitação superior a 50 %, tornando-se um dos mais secos já registrados.”
A falta de chuvas coincide com um calor acima da “média na França durante doze meses consecutivos”, podendo o mês de fevereiro “ser o décimo terceiro desta série inédita” desde que começaram os registros, em 1947, acrescenta a Météo-France.
Essas anomalias de calor e seca não são mais eventos isolados, mas se repetem em um período de tempo mais curto e com maior intensidade, ilustrando as previsões do IPCC, os especialistas em clima da ONU, sobre as consequências do aquecimento global causado pela “atividade humana”.
“O aquecimento global representa entre 15 e 40% menos de reserva de água disponível para a França”, relembrou Christophe Béchu.