Terça-feira, 15 de julho de 2025
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Em 2022, 175 países concordaram em iniciar a redação de um acordo juridicamente vinculativo sobre o tema até 2024. A primeira etapa ocorreu no Uruguai, e agora a França sedia o segundo de cinco encontros previstos até a finalização de um texto.

A anfitriã, que planeja banir os plásticos descartáveis até 2040, quer fazer da cúpula uma vitrine para seus avanços e da União Europeia. Se restrições não forem adotadas em nível mundial, a tendência é que a produção anual deste derivado do petróleo siga em alta, num contexto em que apenas 9% do produto é reciclada. Sem controle, os plásticos poluem o meio ambiente, vão parar nos oceanos, são ingeridos pelos animais e já são detectados até no sangue humano. Além disso, servem de estímulo para a continuidade da exploração petrolífera, uma das maiores geradoras dos gases de efeito estufa que aquecem o planeta e provocam as mudanças climáticas.

Mesmo assim, já no começo das reuniões, na segunda-feira (29/05), as discussões estiveram bloqueadas por dois dias por divergências quanto ao procedimento a ser adotado: um grupo de países, entre eles as potências emergentes China, Rússia e Brasil, e a maioria dos produtores de petróleo no Golfo, como Arábia Saudita, querem que o futuro tratado seja aprovado por consenso, e não por voto de maioria de dois terços, como desejam os países europeus.

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“Nós queremos um acordo global que seja ambicioso, vinculante, que tenha metas da redução da poluição global. Tem toda a contribuição histórica que precisa ser lidada: os países que contribuíram mais têm uma parcela maior para ajudar a combater esse problema”, salienta o secretário nacional de Meio Ambiente Urbano e Qualidade Ambiental, Adalberto Maluf, que lidera a delegação do Brasil no evento.

“O Brasil sempre teve um papel importante nessas negociações porque não é um país rico – que quase sempre estão liderando a ambição dessas agendas e puxando a régua para cima –, mas também não somos um país pobre, que normalmente não quer avançar se não tiver recursos. Fazemos um papel de intermediação e negociação como a gente acabou de fazer aqui, para buscar o consenso possível. Não adianta ter a metade dos países dentro e todos os produtores fora”, explica.

Temor de ONGs

Mas as organizações ambientalistas advertem que a necessidade de consenso obrigaria o texto a acomodar os interesses dos países produtores de petróleo e plásticos, resultando em um acordo pouco eficaz para limitar a poluição. Ana Rocha, diretora do programa de plásticos da coalizão de organizações Gaia (Global Alliance for Incinerator Alternatives), pela redução de resíduos, diz que se surpreendeu com a atuação do Brasil nos primeiros dias da reunião, que se encerra nesta sexta (02/06).

Se restrições não forem adotadas em nível mundial, tendência é que a produção anual siga em alta, num contexto em que apenas 9% do produto é reciclada

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Em 2022, 175 países concordaram em iniciar redação de acordo juridicamente vinculativo sobre plásticos até 2024

“Ter a possibilidade de voto, no regulamento da ONU, faz com que um país com posição radical seja obrigado a negociar. Se ele pode simplesmente dizer não – que é o que ocorre quando a aprovação é apenas por consenso –, ele basicamente tem poder de veto”, observa. “Se você dá esse poder a todos os países, a possibilidade de se conseguir um acordo que seja minimamente ambicioso é praticamente nula”, lamenta.

Com mediação do Brasil, os países concordaram em trabalhar em busca de um consenso, mas a decisão final sobre o procedimento ficará para outro momento. Assim, as discussões sobre o foco da cúpula – o rascunho do acordo – puderam enfim se iniciar, na tarde desta quarta-feira (31/05).

Futuro dos catadores de lixo

O secretário ressalta que, na visão do governo brasileiro, o tratado deve incluir soluções para a cadeia que depende da reciclagem do lixo nos países em desenvolvimento, em especial os catadores. O Brasil, com o apoio de países africanos, pressiona para que o texto inclua mecanismos de transição para a redução dos plásticos, inclusive financiamento, para viabilizar a inserção socioeconômica das milhões de pessoas que sobrevivem graças ao setor.

“O mundo desenvolvido não tem na reciclagem os mesmos desafios sociais e ambientais que nós temos. Por isso que, neste início de negociação, o Brasil foca muito em trazer as cooperativas de catadores para o centro do acordo”, argumenta Maluf. “Ele não é apenas um acordo ambiental: ele é um acordo de desenvolvimento sustentável.”

Mundo de olho no Brasil

No exterior, os outros países observam o posicionamento do Brasil, que visa retomar o protagonismo histórico que tinha na área ambiental – perdido durante o governo de Jair Bolsonaro. A negociação em Paris ocorre num momento delicado para Brasília, em que a política ambiental é posta à prova com os questionamentos sobre a exploração das reservas de petróleo na Foz do Amazonas e o esvaziamento dos poderes dos ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, orquestrado pelo Congresso.

A pressão deve aumentar agora que a ONU confirmou a realização da Conferência do Clima de 2025 (COP30) em Belém do Pará.

“Essa posição do Brasil aqui se tornou uma decepção porque parece que, de várias maneiras, a pauta ambiental está meio caindo pelos lados. Eu acho que o problema aqui não é o Ministério do Meio Ambiente, mas sim é uma questão de equilíbrio do poder dentro do governo”, analisa Ana Rocha. “A gente está aqui com qual chapéu: o do meio ambiente ou o da produção?”, questiona.