Professor de História Latino-americana e Política Comparada da Universidade de Denver, nos Estados Unidos, Rafael Ioris é organizador do livro “Amazônia no Século XXI – trajetórias, dilemas e perspectivas”, que, em mais de 500 páginas, reúne artigos de especialistas e entrevistas com ativistas e representantes de povos originários. Professor convidado no Instituto de Altos Estudos da América Latina, em Paris, Ioris falou à RFI sobre os principais desafios do governo Lula para a região.
Para Rafael Ioris, a Amazônia é o “carro-chefe da imagem internacional do Brasil” e representa “uma grande oportunidade, mas também um desafio”, pelo fato de “termos essa possibilidade de uma reconstrução de políticas públicas democráticas no Brasil nos próximos anos”.
“Que a Amazônia seja central em como pensarmos desenvolvimento brasileiro e o Brasil no mundo”, diz o historiador.
A Amazônia é não só uma grande parte do território brasileiro, como também uma das regiões que mais tem enfrentado problemas, observa Ioris. “A verdade é que a gente nunca teve uma boa relação com a Amazônia do ponto de vista político, social, cultural e também ambiental. Mas eu acho que a questão ambiental hoje em dia é uma realidade que envolve todas essas dimensões: política, econômica, social. Mas, ultimamente, ela foi claramente atacada de maneira muito, muito direta e muito intencional, ainda mais do que do que já havia sido. Então é uma oportunidade e uma necessidade que a gente repense as políticas públicas no Brasil de hoje e o papel do Brasil no mundo”, afirma.
Sobre a explosão da mineração em territórios protegidos e o recorde de desmatamento na região, Ioris considera que é tempo de reconstrução e de melhorias.
“O Estado brasileiro, o governo federal tem a capacidade e a responsabilidade de reconstruir políticas públicas para a Amazônia de uma maneira mais sustentável, mais inclusiva. É isso que a gente espera: a reconstrução de políticas públicas e dos atores que vão implementar essas políticas públicas. Os atores do Ministério do Meio Ambiente, do Ibama, do Instituto Chico Mendes, que foram desmantelados nos últimos anos, então vamos ter que reconstruir isso, de uma maneira inclusive melhor, que leve em consideração os atores locais de uma maneira mais inclusiva do que foi a tradição de como pensamos política pública no Brasil”, acredita.
“E aí, claro, você tem que implementar as suas políticas, tem que ter atores, tem que ter supervisão, polícia, fiscais ambientais que vão lá implementar as decisões de como vamos fazer isso de uma maneira que seja de novo soberana, que tem o interesse do país, não apenas, como na tradição brasileira, de uma maneira muito economicista, mas de fato. Precisamos pensar o desenvolvimento de uma maneira mais sustentável e inclusiva, também no sentido político, de atores locais participando do processo de decisão”, sublinha o historiador.
Luta das mulheres indígenas
Rafael Ioris ressalta o papel central que as lideranças indígenas, e as mulheres indígenas especificamente, têm desempenhado na resistência ambiental e democrática no Brasil.
“No nosso livro, entrevistamos a Sônia Guajajara, e ela fala do papel da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), da qual ela foi a presidente até agora. As mulheres indígenas e lideranças indígenas têm tido papel fundamental de chamar a atenção para os temas dos massacres das populações da Amazônia, para o desastre ambiental e para o destruição da democracia brasileira”, acrescenta, lembrando que Lula tem a possibilidade de trabalhar com outros governos progressistas, como o da Colômbia e o da Bolívia, países que também têm territórios amazônicos.
Kelvin Trautman/Flickr
‘Que a Amazônia seja central em como pensarmos desenvolvimento brasileiro e o Brasil no mundo’, disse Rafael Ioris
Imagem do Brasil no mundo
“A imagem do Brasil no mundo envolve de maneira muito central a Amazônia. E cada vez mais eu acho que vai passar pela Amazônia, no sentido de que a preocupação ambiental no mundo, a consciência do problema ambiental é crescente, e o papel da Amazônia nisso também é central. Então, se o Brasil quer ser respeitado, se quer estabelecer novos acordos, seja com a Noruega ou outros atores internacionais, tem que saber que haverá cada vez mais essas demandas de que a sua economia seja administrada de maneira mais sustentável. Isso de maneira central pela Amazônia”, afirma.
Segundo Ioris, a preservação da Amazônia vai ajudar o Brasil a ser respeitado e a ter uma melhor inserção econômica no mundo de hoje. “Mas eu acho que precisamos ainda trabalhar com uma outra parcela da população, que é o agrobusiness, que tem um papel fundamental na economia e na política brasileira, temos um grande diálogo para ser feito com eles. Diálogo ou pressão doméstica internacional, para que eles entendam que, de fato, precisamos repensar as políticas de ocupação do território de produção agrícola e pecuária no Brasil, de uma maneira que seja mais sustentável”, avisa.
Mas, para ele, sustentabilidade vai além: “Sustentável no sentido de melhores relações de trabalho, de melhores formas de atuação – não só pela monocultura, mas de exploração ambiental sustentável, ou seja, da produção de fato nativa da Amazônia -, de agregar valor econômico à produção local em escalas transnacionais, com atores locais em posição de liderança, repensar de uma maneira mais ampla o papel da política pública democrática, altiva, soberana e central nisso”, explica.
Outros biomas, outros povos
Além disso, alerta Ioris, precisamos pensar na Amazônia integrada com os outros biomas brasileiros. “Porque, de fato, tudo na natureza é interligado. Entendemos, por exemplo, que só existe a agricultura no mundo, só existe floresta no mundo porque existe uma rede imensa de fungos que se comunicam, ou seja, na natureza é tudo integrado. Então, para que a Amazônia exista, ela depende também da existência do Cerrado. Pensar questões ambientais no Brasil, onde a Amazônia tem um papel central, vai requerer também pensarmos nos outros biomas e nas outras populações”, conclui, lembrando que a região tem vários sistemas econômicos, culturais e humanos.
“Pensar a Amazônia é pensar também em ação urbana, a questão de esgoto em Manaus, em Belém. Ou seja, não é só a floresta, embora também tenhamos que pensar na floresta, nos diferentes povos”, conclui.