Quarta-feira, 14 de maio de 2025
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O acordo obtido na União Europeia (UE) nesta terça-feira (06/12) para aprovar uma regulação que proíbe a importação de produtos oriundos de áreas florestais tropicais desmatadas após dezembro de 2020 teve uma recepção mista por parte de organizações brasileiras de defesa do meio ambiente.

Elas saudaram a iniciativa como um importante marco global no combate ao desmatamento, mas criticaram o escopo geográfico da norma, que no Brasil abrange somente a Amazônia. Ficaram de fora o Cerrado, onde é produzida a maior parte das commodities brasileiras exportadas para UE, e outros biomas.

A normativa estabelece que Estados-membros da UE não poderão comprar cacau, café, soja, óleo de dendê, madeira, carne bovina e borracha, assim como vários materiais associados, como couro, chocolate e carvão vegetal, produzidos em áreas do bioma amazônico recém-desmatadas.

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As empresas importadoras deverão demonstrar, por meio de relatórios de auditoria, que suas cadeias de fornecimento estão livres de desmatamento, e indicar quando e onde as commodities foram produzidas.

Elas também deverão comprovar que os direitos dos povos indígenas foram respeitados durante a produção das mercadorias. O não cumprimento pode resultar em multas de até 4% do faturamento de uma empresa em um país da UE.

Cerrado e outros biomas desprotegidos

O texto da UE rejeitou uma proposta para incluir outras áreas florestais em seu escopo, o que deixará 74% do Cerrado brasileiro fora da proteção. Entidades de defesa do meio ambiente receiam que esse desenho normativo irá provocar ainda mais pressão sobre o Cerrado e ampliar o seu desmatamento.

Guilherme Eidt, assessor de Políticas Públicas do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), salientou, ao Observatório do Clima, o risco de que o regulamento da UE intensificará o desmatamento do Cerrado, em especial se o acordo de livre comércio entre o bloco e o Mercosul entrar em vigor.

“A normativa deve servir de anteparo, um tipo de salvaguarda ambiental, para destravar o acordo UE-Mercosul. E o resultado disso para o Cerrado será uma maior aceleração do desmatamento e violação de direitos de povos e comunidades tradicionais”, afirmou Eidt.

“Mais uma vez o Cerrado é colocado como bioma de sacrifício. Os europeus deram uma sinalização importante para o mundo, mas perderam a oportunidade de fazer uma lei efetiva. O Cerrado é a principal fonte de desmatamento importado pela Europa hoje. Para nós, aumenta o risco do esgarçamento dos recursos hídricos, crise de abastecimento d’água e energética para os maiores centros urbanos do país, e o acirramento da violência no campo”, disse o assessor do ISPN.

Maurício Voivodic, diretor-executivo do WWF Brasil, também criticou a não inclusão do Cerrado no regulamento, mas saudou a iniciativa de forma geral e projeta que ela terá impacto positivo no combate ao desmatamento.

Regulação proibirá importação de produtos oriundos de áreas da Amazônia desmatadas após dezembro de 2020

Wikicommons

Maior parte das commodities brasileiras exportadas para UE são produzidas no Cerrado

“A aprovação da legislação europeia é um marco importante na luta pelo fim do desmatamento. Ainda que devesse ter incluído o Cerrado para ter um efeito mais amplo no Brasil, foi importante que o texto final reconheceu e incluiu o direito dos povos indígenas”, afirmou. “Para o Brasil, é uma mensagem clara e inequívoca de que o único caminho para a prosperidade do agronegócio é eliminar, o mais rápido possível, o desmatamento e a conversão das cadeias produtivas.”

Um grupo de ONGs internacionais e brasileiras havia pedido em março à UE a proibição de todas as importações vinculadas ao desmatamento, incluindo biomas como o Cerrado, a Caatinga, o Pantanal e o Pampa – mas não teve sucesso no pleito.

No entanto, a normativa da UE prevê que a lei seja revista um ano após a entrada em vigor para reavaliar a inclusão de outras áreas florestais. Em dois anos, também haverá uma revisão para discutir a inclusão de outros produtos na restrição, como o milho.

Direitos humanos

Algumas entidades de defesa do meio ambiente aprovaram a inclusão do respeito aos direitos indígenas no regulamento, mas pontuaram que o texto poderia ter sido mais ambicioso e contemplar a observância de convenções internacionais, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que protege os povos indígenas.

A normativa da UE determina que o respeito aos direitos humanos será observado de acordo com as leis nacionais.

“A legislação europeia está longe de ser perfeita, mas ela dá um sinal importantíssimo para o mundo inteiro: o desmatamento não deve mais ser tolerado”, disse Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima. “Daqui para a frente os mercados se fecharão a quem destruir ou degradar florestas.”

Impacto global

O regulamento do bloco é o primeiro do tipo no mundo e visa conter e reverter o desmatamento até 2030, uma das principais fontes de emissões de gases de efeito estufa que impulsionam as mudanças climáticas.

Os países-membros da UE serão obrigados a realizar verificações de conformidade abrangendo 9% das empresas que exportam de países com alto risco de desmatamento, 3% de países de risco padrão e 1% de países de baixo risco.

É possível, também, que a normativa seja usada como referência no futuro para a formulação de políticas contra o desmatamento por outros grandes importadores de commodities, como Estados Unidos e China.

A UE é responsável por 16% do desmatamento mundial por meio das importações – e é o segundo maior destruidor de florestas tropicais depois da China, de acordo com dados da WWF.

Países como Brasil, Indonésia, Colômbia e Malásia criticaram o plano do bloco europeu e argumentaram que as regras são muito rígidas e custosas.