João Carlos Bona Garcia morreu há uma semana, no dia 12 de março, aos 74 anos, vítima da covid-19. Exatamente daqui uma semana também, dia 26 de março, Bona, como era conhecido, deveria prestar um depoimento na Justiça italiana em um processo contra um ex-agente da ditadura brasileira que teria entregado um preso político para repressores argentinos da Operação Condor.
Nascido em 3 de junho de 1946, na cidade de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, Bona foi militante político nas décadas de 1960/70, aderiu à luta armada e sobreviveu aos anos de chumbo da ditadura militar brasileira. Ironia da vida, morreu durante o governo de Jair Bolsonaro, um adorador de torturadores.
Mas esse gaúcho valente que não se silenciou e sempre denunciou os horrores do regime militar fez sua última bravura na lida da vida: encaminhou por escrito ao Ministério Público italiano o relato das torturas que sofreu nas mãos de Átila Rohrsetzer, no início de 1970, quando foi preso e levado para os porões da ditadura militar em Porto Alegre.
Rohrsetzer, que na época era diretor da Divisão Central de Informações do Rio Grande do Sul, está sendo julgado na corte de Assise de Roma por um crime cometido em 1980, durante os anos da ditadura. O processo tramita em Roma porque a vítima era de origem italiana. O caso julga a participação de Rohrsetzer no sequestro, morte e desaparecimento de Lorenzo Vinãs, em 1980.
A rigor, Átila Rohrsetzer também poderia ter sido julgado no Brasil, uma vez que o crime ocorreu após a promulgação da Lei de Anistia, de 1979.
O testemunho escrito de Bona foi apresentado à corte na audiência que aconteceu em janeiro passado e comoveu o júri. Tanto assim que decidiram chamá-lo para depor por videoconferência na audiência que acontecerá dia 26 de março.
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Ex-membro da VPR, Bona encaminhou por escrito ao MP italiano relato das torturas que sofreu nas mãos de Átila Rohrsetzer, no início de 1970
A corte não poderá mais ouvir a sua voz, mas suas palavras ficaram registradas e servirão como prova contra Rohrsetzer.
Não o conheci pessoalmente, mas tive a oportunidade de entrevistá-lo para uma reportagem que será publicada em breve em Opera Mundi. A voz pacata que respondia às ligações e às dezenas de mensagens que mandava era de uma pessoa extremamente gentil.
Bona militou na Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), foi preso e trocado junto com outros 69 presos políticos pelo embaixador Suíço. Viveu no exílio no Chile, Argentina, Argélia e França. De volta ao Brasil após a anistia, passou a vida lutando pela democracia e pela liberdade política.
Sua trajetória de luta e de vida foi contada no livro Verás que Um Filho teu Não Foge à Luta (Editora Posenato Arte e Cultura) e no filme Em Teu Nome.
No capítulo 1 do livro, o gaúcho é descrito como um ser humano de sensibilidade incomparável, que fez do drama pessoal, de tortura e do exílio, motor para sua “caminhada por uma sociedade de paz e justiça para todos”, é reverencia a sua “façanha de viver”.
Bona deixa a esposa Célia, os filhos Rodrigo, Luciano e Diego, e os netos Lucca, Arthur, João Paulo, Cecília e Pedro. E uma história admirável de resistência.