Durante três dias, editores, livreiros e outros profissionais e empreendedores do mercado editorial participaram do I Congresso Internacional do Livro Digital em São Paulo. Convidados do exterior e do Brasil discutiram o livro digital, seu futuro e a situação atual, no Brasil e no mundo. Nas apresentações, nos telões, nos intervalos, nos corredores, o assunto era o futuro do livro. Muitas iniciativas estão a caminho, outras já estão em uso, buscando seduzir editores.
Vender livros digitais, com isenção de impostos, com as atuais margens (que chegam a 55% do preço de capa), sem custos de compra antecipada, de estoque e logística. Quem não quer? O mundo inteiro quer, e parte dele esteve representada no Congresso, como é o caso da livraria Barnes & Noble. Na abertura, falou Juergen Boss, presidente da Feira do Livro de Frankfurt. O tema: “A nova era de ouro do mundo editorial”. Chegou a nova era de ouro dos editores depois da descoberta da prensa, séculos depois? Ou nos tornaremos reféns da tecnologia, dos e-readers? Certezas?
Apenas com os números da Internet. Milhões de pessoas conectadas querendo consumir conteúdo e compartilhar informações. No mundo, de acordo com Juergen, existem 1 bilhão e 700 milhões internautas. A vinda do presidente da Feira do Livro de Frankfurt é um sinal de que o assunto é sério e urgente.
Chegamos à era de ouro do mundo editorial com a possibilidade de distribuição sem limites? Isso o Congresso tentou discutir.
Mas a sensação que se tem é que o livro digital ainda está envolto em mistérios. É preciso ter fé para acreditar na sua existência. Não apresentaram nenhuma prova cabal da sua existência. Em torno dele, circulam ateus, agnósticos, religiosos e fanáticos. Independentemente do credo de cada um, o livro digital vai acontecer e muitos acham, fanáticos à parte, que conviverá com o livro de papel. Pacificamente? Talvez, até algumas gerações desapareçam.
Todos querem encontrar o e-reader da hora e o melhor modelo de negócio para distribuir, vender e ganhar. É o caso do iPad, que acaba de ser lançado. E aí a pergunta: os comerciantes truculentos do milênio passado sobreviverão na era digital?
Parece que vai mudar alguma coisa. Talvez a resposta esteja na distribuição sem limites que o livro digital permitirá, batendo de 10X0 o livro de papel, que ao longo das últimas décadas tornou-se um produto refém e abandonado em prateleiras alheias.
Em quantos lugares o editor coloca o livro hoje? Como ele controla essa distribuição? Mas o editor pode imaginar quantos lugares alcançará no futuro com o livro digital? Serão muitos, é o que mostrou o Congresso.
O livro, na primeira palestra do segundo dia, com Jeff Gomez, presidente da Starlight Runner Entertainnent, precisa se relacionar com outras mídias. Ele citou casos como o filme Avatar, filmes da Disney como High School Music, e outros bem distantes da nossa realidade, mas exemplos importantes para observar o novo consumidor de histórias e de como utilizar vários formatos para contá-las.
Quem produz um livro sabe que ele sempre foi o ponto de partida para muitas outras mídias: novela, minissérie, seriado, filme, teatro e até games. Mas dependia de iniciativas e desdobramentos isolados. De acordo com Jeff, agora podemos pensar na Transmedia para produzir conteúdos —uma produção que busca a massificação em torno de uma ideia, normalmente a partir de um livro, ou que pode virar um livro.
Os editores já têm a tecnologia para ajudar na divulgação de seus livros e esse foi o recado de Jeff, que alertou para tomar conta da propriedade editorial, seja protegida, seja aberta, e que devemos perder o medo e experimentar novas mídias.
Na palestra seguinte, Calvin Baker, da ScrollMotion, falou sobre o caminho da mobilidade para conteúdos digitais. Acredita que está a caminho uma nova cultura da leitura, que as novas gerações utilizarão o celular para acessar conteúdos digitais e até ler livros e revistas. Não soube dizer se as experiências atuais resultam em ganhos e lucros, como no caso da revista Esqueire, que é uma ousadia em termos de leitura via aparelho móvel.
Experimentando o funcionamento de um livro infantil no celular, via sistema scrollmotion, descobre-se que o livro vira um brinquedo, com a navegação gestual. Pelo jeito, o livro digital vai romper fronteiras.
No caso de um livro de ficção, sabemos, o texto artístico possibilita múltiplas leituras. O arranjo feito com letras e palavras organiza um texto criativo que exige uma percepção por parte do leitor que não a mesma que ele precisa ter para ouvir uma música ou ver um filme. O leitor de um livro de ficção precisa usar a imaginação, se concentrar e se isolar.
É dessa coisa chamada “conteúdo” que as novas mídias precisam, sejam os donos e inventores dos e-readers, sejam os transformadores de histórias, como Jeff, sejam os revendedores, como a Barnes.
Os revendedores de livros, até agora, com raras exceções, sempre trataram o livro como um monte de papel colado e protegido por uma capa —um volume, com peso, tamanho e valor.
O livro de papel sempre dependeu do comerciante tradicional para chegar ao leitor. E essa dependência sempre custou caro. Editores, ao longo dos anos, acumularam perdas de margens, prazos e controle das vendas. Mesmo com o surgimento dos comerciantes virtuais, a relação comercial sempre esteve em desvantagem para o editor.
O livro digital surge oferecendo oportunidades para novos modelos de negócios. E esses modelos de negócios dependem muito do lugar onde será vendido. Qual será o lugar ideal para a venda do livro? Muitos novos lugares surgirão. A própria editora poderá ser o melhor lugar. E até na Barnes & Noble, nos EUA.
Sua gerente de conteúdo internacional, Patricia Arancibia, esteve no Congresso, e quer vender livros digitais em português. Estão todos convidados e deixou o e-mail para contato. Trouxe números: mais de 1 milhão de e-books vendidos em março de 2010, para leitura no seu Nook. Comentou como os hábitos mudam: em 2004, 5% usavam o MP3; em 2008, já eram 36%. Observou que o mercado do livro digital precisa de preços e modelos de negócios justos, que recompense os esforços de todos. Ações predadoras, como da Amazon, tornam os negócios inviáveis.
Qual será o lugar para divulgar o livro? Muitos, a custo baixo e ao alcance de todos. Foi o tema da terceira palestra, “Como usar as ferramentas da Mídia Social”, por Arantxa Mellado, da Espanha.
Todos sabem que a Internet trouxe novos canais de promoção do livro. E Arantxa assegurou que 80% dos internautas confiam em recomendações, que o que motiva a compra de um livro é, em primeiro lugar, o seu título, depois o conhecimento sobre o autor, em seguida a arte da capa e, por último, a marca da editora.
O autor, nos tempos de Internet, pode ajudar na promoção do seu livro. E as editoras podem envolver seus clientes, inclusive opinando sob re layout de capa, formato, e até texto. Mas sabemos que os livros que aconteceram foram aqueles que surpreenderam o leitor. No entanto, não custa nada se relacionar de modo interativo com nossos clientes e leitores, e revendedores.
Mas qual será o formato do arquivo do livro digital? Difícil responder. O mesmo para os players que todos vão usar. Empresas e inventores estão buscando descobrir o ideal para todos e para todos os tempos. Quem não leu Umberto Eco dizer que “eletrônicos duram 10 anos; livros, cinco séculos.” E aí está o medo do futuro. Quem garante que um formato de arquivo não desaparecerá em 10 anos?
E os contratos com os autores, os criadores de conteúdo? Se agora é a vez dos criadores, eles vão descobrir isso logo. Como definir direitos e contratos?
O Congresso trouxe Diane Spivey, da Inglaterra, diretora de contratos e direitos da Little Brown Book Group. Conselho dela: “Siga o mantra: adquira amplamente, licencie estreitamente.” Conforme os passos: adquirir, proteger, explorar, licenciar e contratar. Vão mudar algumas coisas: qual o % do autor? % do quê? Os direitos sobre um livro digital ainda não estão definidos.
Resumindo: o livro será visto de outra maneira no futuro (bem próximo). Vai sair dos limites do tradicional volume de papel e se relacionará com outras mídias, seja um best-seller, seja uma obra clássica. Ficará mais atraente, alcançará mais leitores, terá o planeta ao seu alcance, outras línguas, outros povos. Embora os resultados atuais sejam pequenos, pouco expressivos, devemos levar em conta as novas gerações e investir para ampliar os negócios.
Curiosidade: quase todos os palestrantes comentaram sobre seus filhos, crianças ou pré-adolescentes. Todos se apoiavam no comportamento dos pequenos para justificar o inevitável: o livro digital e os novos modos de leitura. Observem ao seu redor, os pequenos leitores.
E os brasileiros? No segundo dia foi a vez deles. Para a mesa sobre “O livro do futuro”, chamaram Aníbal Bragança, coordenador do Núcleo de Pesquisas sobre Livro e História Editorial no Brasil, Frederic Michael Litto, coordenador Científico da Escola do Futuro, Cláudio de Moura e Castro, economista, e Sergio Valente, publicitário da DM9DDB.
Por um momento, no Congresso, essas três pessoas abriram uma janela e mergulhamos na história do livro de papel e sobre a leitura. E aí descobrimos que não são tão recentes as tentativas de inventar o livro digital. Frederic vem colecionando objetos inventados há mais de uma década para leitura digital.
E como o leitor do livro de papel vê o livro digital e a sua leitura numa tela? Foi o que uma pesquisa de qualidade tentou entender. E o Observatório da Leitura apresentou os resultados de uma pesquisa com 8 grupos de leitores, sendo 2 de livros digitais.
Leitores das classes A e B gostaram de experimentar a leitura do livro digital nos e-readers, mas querem preços acessíveis, seja para os aparelhos, seja para os livros. Por conta da valorização do livro de papel, esses leitores destacaram a importância das livrarias como canal de venda. O livro digital, no entanto, é associado à Internet, desta forma, perde valor.
E as iniciativas no Brasil? Participaram do Congresso: Saraiva, Pearson e Ediouro, e cada um apresentou suas posições e iniciativas sobre o livro digital.
Trabalho sério foi mostrado pela Pearson, com a sua Biblioteca Digital, que já trabalha com edições sob demanda e avança na oferta de e-books. A Ediouro contou sobre o site Singular e a ousadia com o livro digital do Rubem Fonseca, mas não apresentou números. Seria uma boa oportunidade: uma grande editora e um grande escritor lançam um e-book. Quantos compraram? Qual o resultado?
A Saraiva ressaltou os seus 95 anos de relacionamento com os editores. Avança em busca de uma solução própria, algo como um programa de leitura, um software, e quer vender e-books, mas com preços justos. No entanto, apesar de se mostrar aberto para negociações, disse que as margens continuarão as mesmas praticadas na comercialização dos livros de papel. Aí vai depender de cada editora.
O Congresso terminou com a apresentação ágil e bem ilustrada do Silvio Meira, centista-chefe do C.E.S.A.R/UFPE. De forma bem humorada, ressaltou a preocupação com o formato do livro digital. Ele mesmo, garantiu, não consegue recuperar uma tese gravada digitalmente há 25 anos, no entanto, sabe que a qualquer hora pode folhear livros impressos há 300 anos.
No estande da Imprensa Oficial, com modelos de leitores eletrônicos, todos eles travaram durante o evento, mesmo o único kindle, exposto no Congresso, precisou ser esetado. Enquanto isso, na mesa ao lado da entrada do auditório, revistas de papel poderiam ser folheadas sem qualquer problema e cuidado.
Pouco se falou sobre a segurança dos arquivos. O formato Epub foi o mais aceito e o DRM a forma mais segura para proteger o livro digital. Participei do Congresso, convidado pela CBL, como diretor da Libre e integrante da Comissão do LIvro Digital da CBL. Aqui podem ser encontradas matérias sobre o Congresso
*Alonso Alvarez é editor da Ficções e diretor da Liga Brasileira de Editores, entidade que representa pequenas e médias editoras brasileiras. Artigo originalmente publicado no Última Instância
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