Mais uma vez, revela-se o poder transformador da juventude universitária nos Estados Unidos, onde tudo parecia “estar em ordem”. Os estudantes saíram do silêncio para dizer ao mundo que querem fazer parte das mudanças em curso, indivíduos com sentido social e capazes de rejeitar o colonialismo mental do neoliberalismo.
Quando a repressão se usa como uma resposta ao protesto social, seja pró-Palestina ou não, é um sinal inequívoco de que faz sentido, é poderosa e perturba a ordem estabelecida. O protesto da juventude norte-americana que começou no dia 18 de abril tem esse conteúdo e pretendem silenciá-lo sem outro argumento que não seja a repressão. São mais de 60 universidades de todo o país, incluindo as mais bem classificadas (Harvard, Columbia, Yale, Massachusetts, Princeton, Michigan, Stanford, Texas, Berkeley, Connecticut, Minnesota, Meryland, entre outras) que decidiram protestar contra o genocídio em Gaza e contra o governo que a financia. Já são mais de 35 mil mortos e Biden parece curtir os massacres liderados por B. Netanyahu.
Até ao momento desta nota, estima-se que mais de 1.750 estudantes e professores tenham sido detidos (France 24), muitos deles afastados de programas de assistência (moradia e alimentação) e de suas carreiras profissionais acusados de agir por fins de “terrorismo internacional ou antissemitismo”. Apesar da violência da repressão, a onda de protestos continua ativa em todo o país, procurando mostrar ao mundo a absurda aventura de seus governantes que invadem países em nome da liberdade de expressão e da democracia que lhes negam.
Os protestos têm precedentes em 1968, tanto nos EUA como na França. Desta vez houve “momentos de irreverência” (estátua de George Washington com uma kufiya e uma bandeira palestina) que o Departamento de Estado considerou inadmissíveis e ordenou à polícia que “restaurasse a ordem pública”. Neste momento, os protestos estudantis dos EUA contra o genocídio em Gaza estão sendo replicados com entusiasmo incomum no Reino Unido, França, Austrália e Canadá.
A repressão
A repressão foi uma demonstração de autoritarismo e abuso do monopólio da violência exercido pelo governo norte-americano sobre a juventude universitária que decidiu protestar contra o genocídio em Gaza. Policiais armados, atiradores e Unidades contra o “caos e vandalismo” (Biden) estavam de prontidão em todos os campi universitários e nos vizinhos. A ação repressiva foi particularmente violenta nas universidades de Columbia, G. Washington, Texas e na Universidade da Califórnia, onde primeiro cercaram os acampamentos, depois desmantelaram e, finalmente, expulsaram violentamente os seus ocupantes na madrugada de quinta-feira, 2 de maio de 24.
O caso da detenção e prisão da candidata presidencial do Partido Verde, Jill Stein, por protestar contra o genocídio, gerou condenação nacional e internacional. O mesmo aconteceu com a prisão de professores que participaram do protesto estudantil. Os estudantes imigrantes que dependem do visto de estudante para permanecer nos Estados Unidos correm o risco de ter o documento revogado e, para isso, o senador Marco Rubio, republicano, apresentou uma iniciativa legislativa. Este é um dos congressistas que recebeu quantias significativas de dinheiro israelense para a sua campanha.
As represálias chegam ao ponto de pedir a demissão das autoridades universitárias que não são “suficientemente fortes” para deter o “antissemitismo” dos estudantes. Mike Johnson, presidente da Câmara dos Representantes, também beneficiário de “contribuições de campanha” do governo sionista ou de entidades pró-sionistas, disse que é “detestável (que) manifestantes e radicais sem lei possam ganhar poder… e se esta situação não parar chegará a hora da Guarda Nacional”. Nem mais nem menos, na mesma linha fascista de Netanyahu.
A repressão e a perseguição incluem uma vigilância extrema de todos aqueles que participam nos protestos pró-Palestina, uma situação que obriga os estudantes a cobrirem o rosto para evitar serem mostrados de forma negativa, numa lista negra, pelos meios de comunicação tradicionais e alternativos geridos pelo Departamento de Estado.
A submissão do Senado
Como em qualquer país, a polícia atua obedecendo uma ordem superior. Desta vez, a ordem partiu do próprio presidente Biden e dos senadores que, oh coincidência, acabaram por ser os principais receptores das doações do governo israelense e de empresas pró-sionistas. Vejamos alguns:
Entre os democratas que mais receberam, em dólares, destacam-se; Joe Biden, 6,4 milhões; Robert Menéndez, 2,5 milhões; Hilary Clinton, 2,4 milhões; Joe Lieberman, 2,0 milhões; Charles Schumer, 1,7 milhão; Rum Wyden, 1,3 milhão; Carl Levin, 1,2 milhão; Dick Durbin, 1,1 milhão; Arlen Spectre, 1,1 milhão; Russ Feigold, 1,0 milhão; entre outros.
Entre os republicanos, destacam-se: Mark Kirk, 2,3 milhões; Mitch McConnel, 2,0 milhões; Ted Cruz, 1,5 milhão; John McCain, 1,5 milhão ; David Perdue, 1,1 milhão; Marco Rubio, 1,0 milhão; entre outros.
Ou seja, o governo sionista submeteu durante muito tempo democratas e republicanos em troca de esmolas para cada campanha eleitoral. Esta situação, vergonhosa por si só, desqualifica moralmente o governo norte-americano não só em relação à liberdade de expressão e democracia, mas também remove toda a autoridade ética e política sobre o sionismo que governa Israel sob a liderança de Netanyahu.
A demanda dos jovens
- Romper qualquer relação acadêmica com Israel que, rotulada como “recursos de investigação”, favoreça o governo sionista e a indústria de armamento.
- Sancionar as empresas norte-americanas que financiam o genocídio em Gaza, tal como fizeram na guerra do Vietnã.
- Acabar com a violação da liberdade de expressão ao manifestar opiniões contrárias ao governo sionista.
- Avaliar o dinheiro vindo de Israel e cancelar todos os tipos de transações que beneficiem o governo sionista.
- Congelar a ajuda militar e financeira a Israel
O que está em jogo nos EUA
Democratas e republicanos são duas faces da mesma moeda, é um truísmo, mas dadas as circunstâncias vale a pena reiterar. Ambos os partidos transformaram a política em negócio lucrativo, protegendo o poder econômico e, em particular, protegendo a indústria de armas que alimenta guerras desnecessárias no planeta.
Na atual situação eleitoral, sem deixar de apoiar o genocídio em Gaza, escondem-se atrás de discursos pela democracia e pela segurança nacional, para pedir o voto de quase 10 milhões de jovens que votarão, pela primeira vez, em novembro, muitos deles participando ativamente em protestos. Biden, que venceu as eleições em 2020 com o voto dos jovens, deve estar mais do que preocupado porque a juventude de hoje já não é mais facilmente enganada. Se a repressão interna continuar e a submissão servil do governo ao sionismo internacional for mantida, eles não terão o apoio da juventude.
(*) Nilo Meza é economista e cientista político peruano.
(*) Tradução Rocio Paik.