A China se tornou, em 2009, o principal mercado do Brasil, passando os Estados Unidos, o que representa uma mudança qualitativa para o comércio exterior brasileiro, cada vez mais dependente da venda de matérias-primas e alimentos.
No ano passado, como consequência da crise financeira internacional, o Brasil exportou para os EUA 42,1% menos que em 2008. Para a China, em compensação, vendeu 23,1% mais, porém em uma oferta quase limitada aos produtos básicos, encabeçados por minério de ferro e soja.
A queda no mercado norte-americano é duplamente maior, porque atinge principalmente as manufaturas, que têm maior valor agregado e geram mais empregos. Três quartos das exportações brasileiras para os EUA são de produtos industriais, enquanto que para a China é de apenas 24%.
Para o vice-presidente da AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil), José Augusto de Castro, o intercâmbio com a China é “um retrocesso” para o país. Quando se trata de matérias-primas “o importador decide, controla a quantidade e os preços”, o que gera um “mercado instável”, ao contrário do que acontece com os bens manufaturados, explica.
Além disso, os produtos básicos geram trabalhos de péssima qualidade, enquanto os manufaturados utilizam mão de obra qualificada e de melhor nível salarial, além de terem efeito multiplicador no emprego ao estender a cadeia produtiva e expandir o mercado interno, defende Castro.
A indústria chinesa também tem penetrado no mercado de exportação brasileiro, favorecida por políticas cambiais contrapostas nos dois países, o que atinge com maior intensidade os setores que contam apenas com capital nacional.
São estes setores que carecem do apoio de sedes no exterior ou de equipes de mercado dentro de um conglomerado internacional para ampliar suas exportações, observa Castro. Os setores de calçados, têxteis e móveis são um exemplo.
A Calçados Bibi, empresa de Parobé (RS) especializada em sapatos infantis, vive esse drama. As exportações representavam um quarto do faturamento no biênio 2006-2007, enquanto que agora significam 15%, depois dos anos “terríveis”, segundo o presidente da companhia, Marlin Kohlrausch.
Mesmo a diversificação nas vendas para mais de 65 países não protegeu a Bibi de uma sobrevalorização do real, que vale hoje quase o dobro de oito anos atrás. Enquanto isso, a China manteve sua moeda, o yuan, estável em relação à moeda norte-americana.
Uma taxa de câmbio está “no ponto ideal quando todos reclamam”, inclusive os importadores e os brasileiros que viajam para o exterior. Mas “agora somente os exportadores estão se queixando”, comentou Kohlrausch, antes de ressaltar que também são afetados por impostos excessivos e pela infraestrutura precária.
A questão cambial tem efeitos imediatos, mas não é a causa principal do desequilíbrio nas exportações do Brasil. Para resolvê-la, são necessárias medidas de longo prazo, como uma reforma tributária para evitar que o país continue “exportando impostos”, a redução da burocracia e a melhoria na infraestrutura, exemplificou Castro.
Mas a verdade é que o yuan, ancorado em uma falsa subvalorização, incomoda todo o mundo e provoca pressões até mesmo dos EUA por uma valorização. Em consequência, o Brasil vê a China ganhar mercados que são tradicionais compradores de suas manufaturas, inclusive na América do Sul.
Câmbio
Desde que a China entrou na OMC (Organização Mundial do Comércio), em 2001, ampliou sua participação no mercado norte-americano de 8,6% para 18,8%, no ano passado, enquanto o Brasil só avançou de 1,2% para 1,38%. E isso porque as exportações de petróleo cru compensaram o retrocesso nas manufaturas, segundo um estudo da Confederação Nacional da Indústria do Brasil.
Em 2002, os produtos industrializados representavam 67% das vendas brasileiras para os EUA, enquanto no ano passado caíram para 47%, segundo a AEB.
O ideal seria que as pressões mudassem a política de câmbio administrado da China, em conflito com o câmbio flutuante do Brasil e de muitos outros países, mas não se pode responder com retaliações protecionistas porque isso viola as regras da OMC, adverte Sandra Rios, diretora do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro.
Mas, na opinião dela, a China não representa “um retrocesso”. O incremento das exportações de matérias-primas não foi um plano deliberado, e sim uma oportunidade aberta pelo acelerado crescimento desta potência asiática, que inclusive “salvou a balança comercial brasileira” nos últimos anos de recessão mundial, acredita.
Políticas agressivas
Enquanto não se corrige o câmbio chinês, o Brasil precisa de uma política mais ativa de competitividade, com redução da carga tributária para as exportações e oferta comercial nos mercados que compram suas manufaturas, como o norte-americano e os latino-americanos, afirma Sandra.
A China “ocupa mercados com políticas agressivas”, que provocam reações protecionistas que estabelecem uma “má defesa”, segundo a economista.
O grupo dos 20 países com maiores economias (G-20, que inclui as nações mais ricas e um conjunto de potências emergentes) é, na visão dela, o melhor fórum para negociar saídas para essas disputas acentuadas pela crise financeira global de 2008, considerada uma rasteira na tentativa de reequilibrar os mercados internacionais.
O crescimento chinês não pode se concretizar “às custas de empregos em outros países”, afirma Sandra Rios.
Privilégios
Mas, para ela, as mudanças na política econômica da China só ocorrerão a longo prazo, se consideradas as pressões internacionais, porque internamente o setor exportador acumulou grande força política e “não abrirá mão de seus privilégios”.
O Brasil perde empregos não somente pela queda do setor industrial e suas exportações, mas também pela transferência das fábricas ao exterior, que têm a China como um dos principais destinos, outra consequência da sobrevalorizada moeda desta potência sul-americana.
* Mario Osava é jornalista e correspondente da agência IPS (Inter Press Service). Artigo publicado originalmente pela IPS.
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