O resultado das eleições presidenciais da Rússia não surpreendeu nem mesmo ao mais ferrenho oposicionista: Vladimir Putin venceu com quase 64% dos votos e confirmou o favoritismo já apontado pelas pesquisas.
No entanto, a grande surpresa da jornada eleitoral russa foi o resultado do novato Mikhail Prokhorov de 46 anos, que concorreu pela primeira vez e sem sigla partidária. Prokhorov alterou a cara da oposição russa, composta majoritária e tradicionalmente pela base comunista. A nova oposição, formada pela classe média urbana, deu ao bilionário Prokhorov o segundo lugar em muitas cidades médias e grandes do país, deixando o veterano Guenady Zyuganov, do Partido Comunista, com um amargo terceiro lugar. Esta foi a quarta fez que Zyuganov concorreu à presidência da Rússia, sempre ficando em segundo na contagem geral.
O voto dos russos no exterior também se diferenciou da média nacional. Estes números podem ser explicados pelo “voto protesto” de russos que viram no último ano, de Nova York ao Cairo, dezenas de governos ameaçados pela mobilização social, com regimes autoritários e organizações financeiras sendo questionadas pela população.
Ainda assim, este russo que faz parte da classe média urbana ou que vive fora do país é uma minoria entre os eleitores. De todos os sujeitos federais da Rússia, Moscou foi o único onde Putin não atingiu os 50% exigidos para evitar um segundo-turno. Apenas 46,98% dos moscovitas votaram em Putin. Prokhorov conseguiu 20,44%, seguido de perto pelo líder comunista Zyuganov, com 19,17%.
Em São Petersburgo, cidade onde nasceu Putin, o atual primeiro-ministro russo conquistou 58,77% dos votos válidos, contra 15,52% de Prokhorov e 13,06% de Zyuganov. Em algumas regiões da Rússia, Putin venceu com quase a totalidade dos votos. Na Chechênia, por exemplo, o recém eleito presidente conquistou 99,76% dos votos.
Na contagem nacional, Zyuganov obteve 17,18% dos votos, contra 7,94% de Prokhorov, 6,22% de Jirinovsky, líder do Partido Social-Democrata (de tendência nacionalista) e 3,85% de Mironov, líder do Partido Rússia Justa (centro-esquerda fiel ao Kremlin).
Putin e a estabilidade
Apesar das denúncias de fraude eleitoral, a vitória de Putin ainda parece refletir a vontade da maioria. Todos os 100 milhões de eleitores russos viveram durante a União Soviética ou a caótica década de 90 e por isso mesmo temem que o país retorne à situação de perigo, insegurança e escassez que, segundo parte da população, marcou aqueles anos. A estabilidade que Putin oferece, mesmo que não seja com um modelo ideal, consegue mais votos do que as prometidas (e provavelmente desejadas) reformas estruturais. O medo de uma revolução é mais forte do que a vontade de arriscar a novidade política.
Por outro lado, a classe média urbana, que é a base dos protestos que tomaram conta da Rússia nos últimos três meses, não está satisfeita com a via anti-democrática tomada por Putin, mas também não parece disposta a arriscar os seus privilégios. Dezoito porcento da população russa é considerada de classe média e este número chega a 40% se somente se conta a cidade de Moscou. No entanto, os indignados da classe média russa sabem que apesar de criticarem Putin, ainda fazem parte de uma minoria com regalias. Os iPhones, tão populares em qualquer grupo adolescente em Moscou, são um artigo de luxo inalcançável para muitos.
A falta de alternativas é outro problema. Putin conseguiu minar qualquer possibilidade de organização da oposição, através de medidas que dificultam a liberdade de se manifestar e de rigorosas leis para a fundação e desenvolvimento de ONGs. Além disso, a informação veiculada no país passou a ser quase totalmente governista, já que os únicos três canais que cobrem todo o território nacional são controlados pelo Estado.
Entre os eleitores russos, 56% dos entrevistados acima de 55 anos apoiam Putin. O índice de aprovação cai para 42% entre os que têm entre 18 e 34 anos. Se analisarmos o nível de escolaridade, 53% das pessoas sem nível superior têm uma visão positiva de Putin, contra 40% entre os entrevistados com nível superior.
Apesar da diferença de popularidade quando são comparadas duas gerações e dois grupos socioeconômicos, Putin ainda conta com o apoio da população, que o vê como o único político capaz de manter a Rússia longe do perigo de uma revolução.
“Quando penso no pasado, lembro a época soviética e os sonhos de um futuro promissor. Eu acho que hoje vivemos este futuro e não quero arriscar a minha estabilidade”, explica Kashif Ur-Rakhim, diretor de empresa de 31 anos.
Nas redes sociais, uma frase parece ter conseguido resumir o eleitor russo: “A oposição russa anda com iPhone. Os defensores de Putin podem ter iPhone ou um Nokia velho. Ou nem ter telefone. A oposição tem uma cara. Os governistas, várias”.
*Sandro Fernandes é correspondente do Opera Mundi em Moscou
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