O que mais teme o patrão[1] do Paraguai, com uma fortuna de origem muito duvidosa e não por acaso presidente da República, Horacio Cartes, é a Frente Guasu e Fernando Lugo. Não passa um dia em que sua imprensa própria[2] e a empresarial não os ataquem abertamente. Apesar disso, a popularidade de Lugo não para de aumentar. Se hoje houvesse eleições e não existissem impedimentos legais para que fosse eleito[3], seria novamente presidente do Paraguai, por uma margem muito mais ampla que a de 2008[4].
De qualquer modo, a popularidade crescente de Fernando Lugo reflete a expectativa da votação que deve concretizar-se em abril de 2018. Não é ainda um fato e restam muitas dificuldades a superar.
Reprodução/Facebook
Popularidade de Lugo é crescente, o que aumenta expectativa para eleições de 2018
Uma delas é o contexto regional, que está mudando de rumo. Não estamos em um momento ascendente dos governos progressistas, como em 2008, quando se produziu a histórica mudança democrática no Paraguai, mas em um momento de crise dos modelos progressistas. A todas as dificuldades existentes no Brasil, Venezuela e Equador se somou a perda do governo por parte da Frente para a Vitória na Argentina e o triunfo eleitoral do neoliberal “duro” Mauricio Macri. Esse país é crucial para o Paraguai, pois ali vivem pelo menos 1 milhão de paraguaios, ou seja, 15% da população do país. Ainda é prematuro saber como estará a situação da região no início de 2018, mas as perspectivas não são boas.
Outra dificuldade é que a principal base de sustentação de Fernando Lugo é a ainda frágil FG (Frente Guasu). Nas últimas eleições municipais, em 15 de novembro, a FG cresceu 30% em quantidade de votos em relação às eleições anteriores e 40% quanto ao número de vereadores (de 120 a 167). Além disso, a FG passa a ter pela primeira vez prefeitos (3 próprios, 9 em aliança), o que é inédito para um agrupamento de esquerda no Paraguai. No entanto, sua votação em listas de vereadores (próprias e em aliança) mal supera 8% em nível nacional, na média (subiu de pouco menos de 6% em listas equivalentes de deputados e vereadores departamentais em 2013), uma quantidade ainda exígua em comparação com as votações obtidas pelos dois partidos tradicionais: 42% no caso do governista Partido Colorado e 32% no caso do PLRA (Partido Liberal Radical Autêntico) – este último, a oposição conservadora, parceira do próprio Cartes. Na realidade, ele elegeu o PLRA e seus aliados menores como “sua” oposição, numa tentativa de manter o bipartidarismo e frear a Frente Guasu e Lugo[5].
Com essas meras cifras, pareceria que Lugo e a Frente Guasu não teriam nada a fazer em relação ao Partido Colorado e o PLRA, tendo em vista o modelo bipartidário.
Reprodução/Facebook
Lugo tem percorrido país em busca de apoio para presidenciais de 2018
Mas não é assim. Fernando Lugo e a Frente Guasu têm todas as chances de disputar o governo em 2018, pelas seguintes razões:
1) a liderança de Fernando Lugo cresceu enormemente nos últimos três anos, desde o golpe de Estado parlamentar, apesar dos esforços de Cartes e da direita de eliminá-lo do mapa político. De um apoio de menos de um quarto da população no pior momento, no segundo semestre de 2012[6], a popularidade de Lugo se incrementou no mesmo ritmo do fracasso do usurpador liberal, Federico Franco (junho de 2012 – agosto de 2013), e do patrão do Paraguai, Horacio Cartes, um presidente com políticas cada vez mais impopulares. Mais de 50% da população considera que Fernando Lugo foi o melhor presidente da República nos últimos 25 anos – incluindo o mandato de Cartes – e, além disso, afirma que voltaria a votar nele caso fosse candidato. Essa liderança ascendente de Lugo não pôde ser destruída pela imprensa cartista, nem pela imprensa empresarial.
2) a liderança de Lugo é muito mais ampla que a da Frente Guasu, que, entretanto, é a sua “coluna vertebral”. O paulatino, mas firme, crescimento da FG, próprio de um país com uma esquerda ainda frágil, foi sendo combinado com a aproximação de lideranças populares e democráticas dos partidos tradicionais, Colorado e Liberal, já cansadas de suas cúpulas, que atendem às transnacionais e à oligarquia, mas não ao pequeno empresário, nem à classe média. A quantidade de colorados e liberais luguistas[7] é enorme e explica por que a FG teve uma votação de apenas 8% em vereadores, nas últimas eleições municipais, na média nacional, mas Lugo tem uma intenção de voto superior a 50% em todo o país;
3) porque a unidade de setores de base do Partido Colorado e do PLRA já ocorreu em 2008 em torno da figura de Lugo, o que lhe permitiu ganhar com certa folga do até então imbatível oficialismo colorado, que governava desde 1947. No caso da primeira candidatura de Lugo não existia a Frente Guasu, mas uma esquerda dispersa, e ainda assim ele venceu o coloradismo[8]. Então, por que não se poderia ganhar agora, quando a Frente Guasu existe e cresceu, assim como a popularidade de Lugo?
NULL
NULL
A direita mais oligárquica, encabeçada por Cartes e secundada pelas cúpulas dos partidos colorado e liberal, tenta modificar todas essas tendências, que dão solidez à perspectiva de mudança democrática e popular no Paraguai. Como nos velhos tempos, Cartes e o Partido Colorado buscam que seu antagonista seja a também pouco democrática cúpula liberal, comandada por Blas Llano, um de seus parceiros de negócio e principal apoio do mesmo governo Cartes no Congresso, a fim de atenuar a tradicional indisciplina dos caudilhos colorados. Nas eleições municipais avançaram nesse sentido, tentando posicionar o PLRA, aliado da “esquerda boa”[9], como sua oposição. Uma “oposição” na realidade alugada ou até comprada por setores empresariais e políticos de direita[10], ou até o próprio Cartes.
Reprodução/Facebook
Mario Ferreiro conseguiu a prefeitura de Assunção com o apoio de setores da direita
A tentativa teve bom resultado em Assunção e no Departamento Central[11], mas a Frente Guasu cresceu globalmente em todo o interior do país, que representa mais de 60% do eleitorado. O que é mais importante: a grande maioria dos candidatos a prefeito[12] pelo PLRA, e não poucos do Partido Colorado e Únace[13], queriam que Fernando Lugo os acompanhassem em sua campanha eleitoral. O movimento que permitiu a mudança em 2008 está voltando a se reproduzir, e crescendo aceleradamente. Tudo leva a pensar que o triunfo da Frente Guasu e de Fernando Lugo poderia ser contundente nas próximas eleições presidenciais.
As bases da mudança são o descontentamento socioeconômico generalizado. Os agricultores se mobilizam crescentemente por causa da crise, não só quanto ao gergelim e à cana de açúcar, mas também no caso dos pequenos e médios produtores de soja. A isso se soma o descontentamento dos proprietários de caminhões de carga – pequenos empresários –, que se veem ameaçados pelas transnacionais e a privatização das estradas, em andamento. Os trabalhadores em situação de dependência, que enfrentam demissões ilegais e a falta de reconhecimento de seus sindicatos, realizaram a segunda greve geral na era Cartes em 18 de dezembro. Este ano, além disso, houve uma mobilização histórica de estudantes secundários e universitários que dificilmente será atendida pelo governo Cartes. O governo, assim, soma inimigos, que são a base de uma votação contra o modelo neoliberal, que Cartes e seus parceiros liberais não querem desmontar, mas consolidar.
A mudança que ocorreria em 2018 seria fundamentalmente democrática e popular, de modo algum socialista, pois se trata de reivindicações abrangentes, desde o pequeno e médio empresário até o camponês, o trabalhador e o estudante. No Paraguai não existe democracia, mas plutocracia, cujo melhor expoente – houve outros, como Juan Carlos Wasmosy e Raúl Alberto Cubas – é Cartes. Por isso, o confronto não será entre esquerda e direita, mas entre autoritários plutocratas versus democratas e progressistas. E é nessa disputa que a Frente Guasu, com Lugo à frente e o apoio das forças democráticas do Paraguai e da região, tem todas as chances de ganhar em abril de 2018.
[1] Horacio Cartes se caracteriza mais como um patrão mafioso do que um empresário moderno, por seus métodos autoritários (não permite sindicatos em suas empresas), a origem obscura de sua imensa fortuna (iniciada com um enorme roubo ao Estado, no caso da “evasão de divisas” durante a etapa final da ditadura de Alfredo Stroessner, razão pela qual foi preso) e pelos interesses que comanda (contrabando de cigarros, banco relacionado à lavagem de dinheiro, o Banco Amambay, e o negócio do futebol).
[2] Cartes comprou em 2015 três dos seis jornais nacionais existentes (Popular, o de maior tiragem do país; Crónica, o terceiro em tiragem; e La Nación, o quinto (os outros são ABC Color, Última Hora e 5 días), bem como o principal jornal digital (Hoy) e várias das rádios de maior audiência do país
[3] A Constituição Nacional proíbe a reeleição, mas, no caso de Fernando Lugo, de forma ilegal não lhe permitiram terminar seu mandato. Foi eleito senador e exerce esse cargo, ao qual não pode aspirar um presidente que conclui normalmente seu mandato. Embora o tema seja motivo de polêmica, na nossa opinião não haveria nenhum impedimento legal para que Fernando Lugo possa ser novamente candidato à presidência da República
[4] Gabinete de Estudos de Opinião, Estudo de Tendências, outubro de 2015. Nesse estudo, feito para Assunção, onde a intenção de voto da FG e de Fernando Lugo é muito menor que no restante do país, 47,7% dos eleitores afirmaram que votariam em Lugo se hoje houvesse eleições presidenciais. No interior a intenção de voto a favor de Lugo é muito superior a 50%, Em 2008, Lugo conquistou a presidência com 41% dos votos
[5] Mario Ferreiro conseguiu a prefeitura de Assunção com o apoio do PLRA (direita), 4 vereadores; o PDP (centro-direita), 2 vereadores; Juntos Podemos (centro-esquerda), 2 vereadores; e o PEN (centro-direita), um vereador, num total de 24 vereadores. Teve o apoio dos canais de TV, todos conservadores, e dos jornais ABC Color e Última Hora, também de direita,
Juntos Podemos (integrado principalmente pelo P-MAS, PRF e o Movimento 20 de abril) sucede o Avança País – agrupamento que, com o Partido Colorado, o PLRA e os demais partidos citados, firmou o Acordo pelo Paraguai, em apoio a Cartes, no início de seu mandato, para consolidar o modelo neoliberal imposto com o golpe de Estado parlamentar de junho de 2012 –. Fora de Assunção, todos os citados parceiros do PLRA são irrelevantes. O jogo de Cartes e do Partido Colorado é fazer com que o PLRA e seus aliados menores sejam a base do sistema bipartidário neoliberal e tenham que disputar o governo com eles, e não com a Frente Guasu nem com Fernando Lugo. No fundo, o plano de Cartes e Llano, do Partido Colorado, e do PLRA é reproduzir o modelo bipartidário, vigente no Paraguai há 130 anos, como vigorou também no Uruguai durante mais de um século até o triunfo da Frente Ampla no início do século XXI.
[6] GEO, pesquisa realizada em agosto de 2012 sobre intenção de voto para presidente da República, na qual Lugo aparecia com apenas 22%. Hoje supera de longe os 50% em nível nacional.
[7] Partidários do voto em Fernando Lugo.
[8] É certo que a cúpula do PLRA também apoiou Lugo em 2008, mas o fez porque suas bases já o estavam apoiando – como agora –, e se não o fizesse teria diretamente perdido tais bases.
[9] A imprensa cartista e empresarial tacha a Frente Guasu de “esquerda ruim”, ou “dura”, e até aliada à suposta guerrilha do EPP (Exército do Povo Paraguaio), o que desencadeou, em contraposição, o qualificativo de “esquerda boa”, ou branda, para o caso do que agora se denomina Juntos Podemos (continuação do Avança País, embora já sem a Democracia Cristã e o Movimento de Esquerda Socialista, que se aproximaram da FG), um dos grupos que, com o PLRA, apoiou a candidatura de Ferreiro em Assunção. Em nível nacional, Juntos Podemos ficou em quinto lugar em votos para vereadores, com pouco mais de 2% dos votos, atrás da Únace (quase 4%), a quarta força política, e também atrás da Frente Guasu, com mais de 8%, e terceira força política
[10] Os jornais de ultradireita (ABC Color), de Aldo Zuccolillo, e de direita (Última Hora), assim como a Telefuturo, o principal canal aberto do país, de A. J. Vierci, um dos maiores grupos empresariais, apoiou abertamente Mario Ferreiro na candidatura a prefeito de Assunção, o mesmo que a direitista cúpula do PLRA, encabeçada pelos golpistas Blas Llno, Alfredo Jaegli e Federico Franco, entre outros
[11] O PLRA ganhou na maior parte dos municípios do Departamento Central, onde se concentra 28% do eleitorado nacional. Com Assunção, chegam a pouco menos de 40% do eleitorado nacional. O restante, mais de 60%, é catalogado normalmente como “interior” do país.
[12] Trata-se de candidatos a prefeito – entre os quais muitos que venceram– críticos da cúpula partidária do próprio partido. Nos atos eleitorais de vários candidatos liberais a prefeito, Lugo comparecia, mas não a cúpula do PLRA.
[13] No caso dos candidatos colorados e da Únace (partido fundado pelo falecido Lino Oviedo), a aproximação foi mais discreta, embora sejam inumeráveis as bases coloradas e oviedistas que se comprometeram a trabalhar por Fernando Lugo nas eleições de 2018.