“Somos os pobres dos ricos”. É assim que o economista e professor da Universidade Complutense de Madri, Luis Moreno Galego, define a Espanha, um dos países mais vulneráveis à crise financeira mundial. Para ele, a explicação está na baixa produtividade e pouca flexibilidade da produção, concentrada em poucos setores, como construção civil, automóveis e serviços.
“O problema é que não temos outros setores tão desenvolvidos como outros países para podermos sair mais facilmente de situações de crise”, afirmou em entrevista ao Opera Mundi.
A política de concentrar muitos ovos em poucas cestas foi um tiro no pé dos espanhóis, segundo o economista. Os principais ramos da economia são os mais atingidos pela crise e o pessimismo tomou conta da população, acostumada a viver num país que emergiu como potência desde que a União Européia o tomou nos braços para reduzir a assimetria em relação ao resto do bloco.
A construção civil sustentou o crescimento econômico nos últimos dez anos. De 1998 a 2007, o país cresceu 38%, média de 3,8% ao ano, superior à européia, que foi de 2,44%. O boom das hipotecas levou a Espanha ao primeiro lugar do bloco em propriedades privadas e no consumo de cimento. Apenas 15% da população vivia de aluguel até 2007.
Mas com a desconfiança no sistema financeiro, a ausência de liquidez e créditos bancários, somados à especulação, houve queda na venda de imóveis. A desaceleração da indústria de construção foi a maior causa do agravamento da crise na Espanha.
No final do ano, o saldo de demissões acumulado em 12 meses era 30% superior ao do período anterior. A redução no consumo se espalhou para outros setores, como o automobilístico. Os dados de dezembro ainda não foram divulgados, mas as principais entidades do setor acreditam numa queda de 25% nas vendas em relação a 2007.
Menos consumo, menos produção, menos vagas de trabalho. O desemprego atingiu níveis históricos, beirando os 13% no final do ano, ou quase 3 milhões de pessoas, segundo dados do Eurostat (Escritório Estatístico da União Européia). É a taxa mais alta entre os países da UE e a pior da Espanha desde abril de 2006.
“Tomara que não se cumpram, mas as previsões mais pessimistas apontam para 13,5% em 2009. Temos que começar a crescer para o desemprego baixar, e quando vai começar isso? Se formos otimistas, só começaremos a crescer em 2010”, prevê Moreno.
Pode-se dizer que o presidente do governo, José Luis Rodríguez Zapatero, ficaria satisfeito se conseguisse pelo menos amenizar os efeitos da crise com o plano de 33 bilhões de euros e as 80 medidas que serão implantadas nos próximos dois anos, entre elas, reduções fiscais para elevar o consumo, obras de infra-estrutura para criar novos postos de trabalho e ajuda à indústria, principalmente a automobilística.
Mas as previsões são pessimistas. O FMI (Fundo Monetário Internacional) prevê uma retração econômica de no mínimo 1% do PIB em 2009. Alguns especialistas já arriscam uma queda de 1,7%. O fato é que a Espanha sofreu em 2008 a primeira retração trimestral desde 1993.
O FMI acredita que os planos anunciados pelo governo espanhol não serão suficientes e alerta que o país precisa de reformas estruturais, além de recuperar a confiança no sistema financeiro e nas instituições.
“Os políticos têm que saber transmitir uma confiança e honestidade suficientes ao povo. Nós, consumidores, temos que perceber essa idéia de confiança para nos animarmos outra vez a consumir e, sobretudo, a investir”, afirma Moreno. “Patentes, tecnologia, alta demanda, temos que seguir neste caminho. Não podemos continuar construindo imóveis. Esse modelo tem que mudar, pois não podemos exportar casas”, conclui.
Portugal – Seria impossível Portugal passar por isso tudo incólume, já que sua economia tem um enorme grau de dependência em relação à Espanha. Dados da Confederação da Indústria Portuguesa mostram que o mercado espanhol absorve 30% das exportações portuguesas. Portanto, o país deve sofrer com a queda nas vendas externas e com os milhares de trabalhadores que serão demitidos na Espanha, segundo previsões da imprensa local, confirmadas pelo professor Luis Moreno, da Universidade Complutense de Madri. Além disso, muitas empresas espanholas deverão adiar seus planos para Portugal.
Relações Brasil-Espanha – As empresas espanholas instaladas no Brasil sofrerão os mesmos efeitos que as empresas brasileiras. O que pode variar é a quantidade de dinheiro que retornará ao país, prevê o especialista em Relações Internacionais Bruno Ayllón, professor da Universidade Complutense de Madri.
Ele acha que o Brasil continua sendo atraente para os investidores espanhóis, já que tem um bom desempenho diante da crise, dando garantias jurídicas e respeitando contratos. Mas alerta: “É necessário ver como se comportam os investimentos brasileiros. Temos que pensar que houve um impacto forte da Bovespa [Bolsa de Valores de São Paulo] nos valores das empresas brasileiras e imediatamente veio a desvalorização da moeda, que reduz muito a possibilidade de manter esforços financeiros, de compra ou de ampliação de investimentos”.
Saiba mais sobre a crise na Espanha.
Nos próximos dias, o Opera Mundi vai mostrar como a crise se manifesta em diversos países, com reportagens produzidas por seus correspondentes internacionais e também na redação. Amanhã, Angola.
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