Quando o primeiro ministro britânico, Gordon Brown, afirmou no Parlamento que tinha salvado o mundo com seu programa de resgate bancário de 37 bilhões de libras (R$ 121,7 bilhões), imitado por vários países desenvolvidos, os políticos da oposição caíram na gargalhada. Era outubro.
Um mês depois, quando estava claro que a crise financeira mundial ia contagiar a economia, Brown colocou por terra um dos pilares econômicos do trabalhismo nos últimos 11 anos: a limitação do gasto público e a promessa de manter a dívida líquida do Estado em menos de 40% do PIB (Produto Interno Bruto).
O premiê anunciou um espetacular plano de choque de mais 20 bilhões de libras (R$ 73 bilhões) para estimular a economia, o equivalente a 1% do PIB. O pacote prevê a construção de escolas, estradas e moradias populares, mas a maioria dos recursos, 12,4 bilhões de libras (R$ 40,8 bilhões), será destinada à redução do IVA (Imposto sobre Valor Agregado) de 17,5% para 15% por 13 meses, até o início de 2010.
Isso significa duplicar o endividamento do Estado das 37 bilhões de libras atuais (R$ 121,7 bilhões) para 78 bilhões (R$ 256,7 bilhões) em 2008-2009 e 118 bilhões (R$ 388,3 bilhões) em 2009-2010, antes de iniciar uma curva decrescente que culminaria com a volta ao patamar atual, em 2015-2016.
Tudo isso pode fazer a dívida do Estado passar de 60% do PIB, uma porcentagem ainda maior do que nas crises do início dos anos 90 e dos anos 70, quando o país teve de pedir ajuda ao FMI (Fundo Monetário Internacional). A pergunta, portanto, é se Brown realmente salvou o mundo com essa chuva de medidas, ou se mal conseguiu salvar seu próprio país.
Segundo Vanessa Rossi, do renomado Chatham House de Londres, sede do Royal Institute of International Affairs, “quase todos” estão de acordo que era necessário um plano de estímulo. “Tem havido algumas críticas no que se refere à dívida, mas o Reino Unido tem uma dívida pública acumulada de 40% a 45% do PIB, comparada com os 60% a 70% da França e da Alemanha, portanto temos muito mais margem de manobra”.
Mas ela faz uma ressalva: “O que nós devemos perguntar é se o plano irá ajudar a tirar o país da recessão e, acima de tudo, se a redução do IVA vai estimular o consumo. É estranho que o governo concentre-se nisso, considerando que os comerciantes já estavam aplicando descontos pesados, sem falar nos gastos administrativos e problemas associados à implementação desta medida. Acho que se enganaram, mas a resposta virá muito em breve”. Na opinião dela, a oposição conservadora tampouco propôs uma alternativa coerente.
Simon Kirby, analista do National Institute of Economic and Social Research, também duvida do efeito que terá a diminuição do IVA. “Um grande problema é que as empresas e os indivíduos continuam tendo problemas para conseguir créditos”.
Ele duvida que o plano atual ajude a evitar recessão e aumento do desemprego, que em novembro ficou em 6%, ou 1,86 milhão de desempregados, o nível mais alto desde 1997. “Haverá um impacto positivo, mas será pequeno. O plano deveria representar 2% do PIB ao invés de 1%. Certamente, irão anunciar um segundo plano de estímulo em março ou abril de 2009”.
Os juros mais baixos em 315 anos
Os primeiros indícios de que as medidas são insuficientes já surgiram, apesar da ajuda do Banco da Inglaterra, que reduziu a taxa de juros a 1,5% ao ano, a mais baixa dos 315 anos de história da instituição. Brown anunciou, em entrevista a um jornal britânico, que quer colocar em prática um ambicioso plano de investimentos públicos, semelhante ao New Deal dos anos 30 nos Estados Unidos, para criar 100 mil postos de trabalho e reativar a economia. Como aperitivo, já prometeu investir 500 milhões de libras (R$ 1,64 bilhão) para incentivar as empresas a contratar desempregados a partir de abril.
O premiê disse também que o governo terá que adotar novas medidas para elevar a concessão de créditos bancários, reconhecendo implicitamente que o primeiro plano bancário foi insuficiente. Segundo o Banco de Inglaterra, os bancos reduziram o número de empréstimos concedidos no último trimestre de 2008, apesar do primeiro plano de socorro, sinal de que a situação vai piorar nos primeiros meses de 2009. Brown se disse “enfadado” com os bancos por sua atitude, mas a nova queda nas pesquisas de opinião pública indica que realmente enfadados estão os cidadãos britânicos com a gestão dele.
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