Num passado muito distante, um gibi institucional da Turma da Mônica caiu em minhas mãos. Era uma história do dinheiro, num viés ultraliberal. Estávamos, se a memória não me trai, no final dos anos 1980. Eu não tinha lido Marx ainda, ou tinha lido muito pouco, e tinha tido bons professores de história. Fiquei incomodado a ponto de não esquecer. Aquilo era ideologia pura, mastigada e simplificada para crianças.
A Turma da Mônica nunca foi algo essencialmente progressista. Mas também não é algo que choque pelo reacionarismo. Colocada ao lado da Mafalda, Mônica é uma menina conservadora, mas não é tola com Manolo, nem antifeminista como Suzanita. Há de se respeitar sua força e independência. Além disso, o bairro do Limoeiro tem aspectos de uma periferia ou uma cidade pequena relativamente pobre, de uma certa classe média baixa. Não é toda hora que personagens assim são apresentados às crianças. Isso talvez explique muito do sucesso de Maurício de Souza, aliás.
Mais recentemente, novos personagens tradicionalmente marginalizados foram incorporados à turma, o que ampliou a diversidade de um grupo de crianças que já contava com negros (como Jeremias) e portadores de deficiência (Humberto era surdo), além da turma paralela do Papa Capim, indígena.
Não estou dizendo aqui que preconceitos e questões problemáticas não surgiam nos gibis. Não se podia esperar muita coisa politicamente da turma, mas, por outro lado, tinha seus atrativos.
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Mas, bom, a Turma da Mônica ultrapassou agora, no governo Michel Temer, uma barreira triste e inacreditável. Apesar de suas qualidades e ambiguidades toleráveis, hoje só consigo achar que seria melhor ela não existir a cumprir um papel desses.
Numa “parceria” da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial, do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços e do Ministério da Defesa que custou R$ 340 mil, Maurício de Souza produziu e imprimiu 200 mil cópias de gibis, que serão distribuídos em escolas e, acreditem, “ações sociais” do governo federal, em defesa da indústria bélica nacional.
Ao aceitar fazer uma propaganda institucional da indústria bélica, Maurício de Souza rompe uma barreira moral mínima: não fazer propaganda para crianças de produtos que levam à morte. Indústria bélica é um fato incontornável da realidade do planeta, mas é chocante que Cebolinha segure um tanque de guerra em vez do coelhinho furtado da Mônica, que Magali troque a melancia por um submarino, que Cascão controle um helicóptero-drone em vez de um guarda-chuvas, que Mônica segure uma corveta (me corrijam se for o caso) e que Titi pense em satélites militares.
Todos esses equipamentos significam morte e controle, o contrário do que gostaríamos de ver associado à infância. Gostaria de lembrar, também, que a indústria bélica nacional, ligadíssima a interesses de grandes transnacionais, esteve diretamente envolvida no golpe de 1964 (resultando em menos depois da deposição de João Goulart na criação do GPMI – Grupo Permanente de Mobilização Industrial da Fiesp) – se alguém quiser saber mais sobre isso, sugiro a leitura do livro Golpes na História e na Escola (Cortez).
Vendo essa campanha e o lançamento deste projeto irresponsável, só me pergunto quando a Turma da Mônica vai fazer propaganda de pinga, de cigarro e – não tenho coragem de completar.