Quase três semanas após o retorno do Talibã ao poder, o Afeganistão ainda aguarda o anúncio de seu novo governo, enquanto uma frente de resistência segue ativa no Vale do Panjshir. A apresentação do novo executivo, em Cabul, foi adiada mais uma vez neste sábado (04/09).
O anúncio deve ser acompanhado de perto pela população afegã e pela comunidade internacional, ainda não convencida das promessas de abertura do movimento islâmico no poder. Porém, o Talibã mais uma vez adiou o anúncio de seu governo, cuja composição poderia dar o tom para os próximos anos no Afeganistão, onde o novo regime continua enfrentando resistência.
Duas fontes do Talibã confirmaram que nenhum anúncio seria feito neste sábado sobre o futuro governo.
A situação no Panjshir, um dos últimos centros de oposição armada ao novo regime, pode explicar o atraso na apresentação do novo executivo, inicialmente previsto para ser revelado na sexta-feira (03/09).
Antigo reduto anti-Talibã, este vale, sem litoral e de difícil acesso, localizado a cerca de 80 quilômetros ao norte da capital, é palco, desde segunda-feira (30/08) e da saída das últimas tropas americanas do país, de combates entre as forças do novo regime e a Resistência da Frente Nacional (FNR).
Em Cabul, rajadas de tiros soaram na noite de sexta-feira para supostamente comemorar a vitória do Talibã em Panjshir, após rumores publicados nas redes sociais. Entretanto, o Talibã não fez nenhum comunicado oficial e um residente de Panjshir disse à AFP, por telefone, que os rumores eram falsos.
“A resistência continua”
De acordo com os serviços de emergência da capital, duas pessoas morreram e outras 20 ficaram feridas por causa desses “tiros de comemoração” que levaram o porta-voz do Talibã, Zabihullah Mujahid, a exortar seus apoiadores no Twitter a pararem de “atirar para o alto” e em vez disso “agradecerem a Deus”.
Refugiado no Vale do Panjshir, o ex-vice-presidente, Amrullah Saleh, falou de uma “situação muito difícil” em uma mensagem de vídeo transmitida na noite de sexta-feira. Ele assegurou, no entanto, que a “resistência continuará”.
De acordo com Ahmad Massoud, que lidera a resistência no vale, o Talibã propôs atribuir duas cadeiras ao FNR no novo governo. E isso “enquanto pedíamos um futuro melhor para o Afeganistão. Nem sequer consideramos” sua oferta, acrescentou, na quarta-feira (01/09), o filho do comandante Ahmed Shah Massoud, assassinado em 2001 pela Al-Qaeda, acrescentando que o Talibã havia “escolhido o caminho da guerra “
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Uma equipe técnica foi capaz de reabrir o aeroporto de Cabul, que estará operando voos de ajuda humanitária e civis
Promessas de abertura
Desde o retorno do grupo ao poder, após uma ofensiva militar relâmpago que pegou o governo e a comunidade internacional de surpresa, o Talibã tem tentado mostrar uma face mais moderada, intensificando gestos de abertura. Em particular, eles prometeram um governo “inclusivo” e estabeleceram contatos, nas últimas semanas, com personalidades afegãs que se opõem a eles.
Porém, nada foi acertado sobre suas reais intenções ou sobre o lugar que o grupo pretende conceder aos representantes da oposição ou às minorias em seu governo. A composição do novo executivo será, portanto, um teste de seu desejo real de mudança.
O secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, que estará no Catar de segunda a quarta-feira, espera que o governo instituído pelo Talibã seja “verdadeiramente inclusivo”, com “não talibãs” que seriam “representantes de diferentes comunidades e diferentes interesses no Afeganistão”.
O chefe da inteligência militar do Paquistão, Faiz Hameed, foi visto em Cabul neste sábado, onde deve falar com altos funcionários do Talibã, com quem Islamabad tem laços estreitos.
Novos protestos em Cabul
A questão dos direitos das mulheres é um dos temas que a comunidade internacional deve acompanhar de perto, tendo em vista a brutalidade com que as afegãs foram tratadas durante o primeiro regime do Talibã (1996-2001). Dessa vez, os novos senhores do país garantiram que esses direitos seriam respeitados. Ao mesmo tempo, já insinuaram que talvez não houvesse ministras no governo e que a presença das mulheres recairia sobre os escalões mais baixos.
Em Cabul, dezenas de mulheres protestaram neste sábado pelo segundo dia consecutivo. Os combatentes do Talibã presentes tentavam dispersar a manifestação e impedir que as pessoas no local filmassem a cena com seus celulares, como mostram imagens postadas em redes sociais.
“O Afeganistão enfrenta um desastre humanitário iminente”, alertou a ONU na sexta-feira. Uma reunião entre os Estados-membros está marcada para o dia 13 de setembro, em Genebra, com o objetivo de aumentar a ajuda humanitária ao país.
Em negociações internacionais com o Talibã, o Catar indicou que espera ver “corredores humanitários” abertos nos aeroportos afegãos dentro de 48 horas.
Aeroporto reaberto
Uma equipe técnica foi capaz de reabrir o aeroporto de Cabul, que em breve estará operacional para voos de ajuda humanitária e civis, relatou o embaixador do Catar no Afeganistão, citado pela rede Al Jazeera.
Segundo o diplomata, a pista do aeroporto de Cabul foi reparada, em cooperação com as autoridades do país. Um canal de notícias do Catar mencionou a retomada dos voos domésticos de Cabul às cidades de Mazar-i-Sharif e Kandahar.