Depois de ter declarado às pressas o lockdown para uma parte dos britânicos a apenas alguns dias de Natal, o primeiro-ministro britânico Boris Johnson teve que trabalhar dobrado nesta segunda-feira (21/12) para garantir suprimentos à população da ilha, que teve parte de suas ligações internacionais cortadas por causa de uma nova linhagem do coronavírus, altamente contagiosa. O problema é ainda maior às vésperas de um Brexit forçado, que, tudo leva a crer, acontecerá sem acordo formal com a União Europeia, isolando ainda mais o Reino Unido do continente.
Em um fim de semana, a nova variante da covid-19 causou uma explosão dupla no Reino Unido. Primeiro, a contenção de 16 milhões de habitantes de Londres e do sudeste da Inglaterra, cujas reuniões de família nas férias estão se tornando um verdadeiro pesadelo. Depois, a decisão de muitos países, entre os quais a França, de suspender a circulação de pessoas e mercadorias entre o continente e a Grã-Bretanha, que está abalando toda a cadeia de abastecimento do país, muito dependente da rotação de caminhões no Canal da Mancha para produtos frescos.
Tudo isso acontece no momento em que as empresas tentam abastecer estoques antes de deixar o mercado único europeu, em 31 de dezembro, o que trará consequências como impostos aduaneiros e taxas.
Enquanto os caminhões se empilhavam nas estradas do sul da Inglaterra, Boris Johnson presidia uma reunião de crise em Downing Street, residência oficial dos premiês britânicos, antes de falar com a imprensa.
“Os atrasos afetam apenas uma proporção muito pequena de alimentos que entram no Reino Unido e, como disseram os grupos de supermercados do Reino Unido, as cadeias de abastecimento são fortes e robustas”, insistiu. “A grande maioria dos alimentos e nossos remédios circulam normalmente.”
De acordo com Johnson, 20% da circulação de mercadorias estava bloqueada por conta do fechamento de fronteiras.
Considerando “realmente muito baixo” o risco de transmissão do coronavírus por caminhoneiros, ele disse ter discutido a situação com o presidente francês Emmanuel Macron que, segundo ele, disse querer “resolver a situação nas próximas horas”.
No Twitter, o ministro francês dos Transportes, Jean-Baptiste Djebbari, garantiu que um “protocolo de saúde sólido” em “nível europeu” seria posto em prática “nas próximas horas” para que “os fluxos do Reino Unido possam circular”.
Depois de uma reunião de especialistas na segunda-feira, os embaixadores da União Europeia devem tentar nesta terça-feira (22/12) harmonizar as medidas decididas pelos Estados-membros para evitar novas chegadas e entradas de viajantes, segundo fontes europeias.
Para lidar com isso, a polícia em Kent (sudeste) implementou medidas de emergência para ordenar que os caminhões estacionem nas laterais da rodovia M20, que serve o Túnel do Canal, para evitar bloqueio de toda a rede viária.
Andrew Parsons / No 10 Downing Street
Boris Johnson se vê às voltas com nova variante do coronavírus, desabastecimento no Reino Unido e Brexit
Adiar o Brexit?
O Reino Unido é um dos países mais afetados pela pandemia na Europa, com mais de 67.500 mortos.
Ao longo do ano, Boris Johnson foi amplamente criticado por sua forma de lidar com a crise, marcada por hesitações e reveses. Depois de garantir por meses que queria preservar as férias de Natal, ele se viu tendo de cancelá-las, desferindo um duro golpe no espírito dos britânicos, que viram a epidemia recomeçar.
A causa: uma mutação do SARS-CoV-2, segundo Londres, 70% mais contagiosa, mas a priori não mais perigosa. Os cientistas pedem que o governo britânico anuncie um lockdown nacional nos próximos dias para evitar a piora da crise.
O governo advertiu que o surto será “difícil” de conter até que a vacina seja amplamente distribuída, o que levará vários meses. Atualmente, cerca de 500.000 doses foram administradas, de acordo com Boris Johnson.
Apesar do discurso tranquilizador das autoridades, os mercados financeiros viram este novo fechamento de fronteira com preocupação, com a libra em queda livre.
De acordo com um porta-voz da rede de supermercados Sainsbury, “todos os produtos” para o jantar de Natal já estão em solo britânico. Por outro lado, “se nada mudar”, logo poderão faltar saladas, “couves-flores, brócolis e frutas cítricas” importadas do continente.
O medo é ainda mais forte porque os dias estão contados até o final do período de transição pós-Brexit em 31 de dezembro. As negociações comerciais entre Londres e Bruxelas ainda não foram bem-sucedidas e, em caso de fracasso, a volta das taxas de importação suscita temores de graves perturbações no abastecimento do país.
Para evitar isso, a primeira-ministra escocês, Nicola Sturgeon (pró-independência), e o prefeito trabalhista de Londres, Sadiq Khan, pediram ao governo que exigisse uma extensão do período de transição pós-Brexit para além de 31 de dezembro.
Um pedido que sem surpresa já foi rejeitado por um porta-voz de Boris Johnson: “nossa posição sobre o período de transição é clara: terminará em 31 de dezembro”.