A eleição de um íntimo colaborador do ditador Augusto Pinochet para a presidência do Senado do Chile, no mês passado, causou polêmica no país em meio à campanha para o pleito presidencial de dezembro. Enquanto defensores dos direitos humanos condenaram a eleição do senador Jovino Novoa, a oposição de direita disse esperar que a presença do ultradireitista favoreça a campanha de seu candidato presidencial, Sebastián Piñera.
Já a coalizão governista Concertação, do candidato Eduardo Frei, reagiu com cautela e afirmou que a democracia chilena está madura o suficiente para não se abalar com polêmicas desse tipo.
“Todas as atrocidades cometidas contra o povo do Chile foram avalizadas por Jovino Novoa, incluindo os desaparecimentos e execuções. Portanto, ele não tem nenhuma autoridade moral para ocupar este cargo”, disse em comunicado o Agrupamento de Detidos Desaparecidos depois da eleição de Novoa no Senado e do também ultradireitista Rodrigo Álvarez para a presidência da Câmara dos Deputados. Ambos pertencem à União Democrática Independente (UDI), que integra a Aliança pelo Chile, coalizão de Piñera.
Novoa, eleito com o apoio de senadores direitistas e independentes que romperam recentemente com os governistas, foi subsecretário-geral do governo de Pinochet de 1979 a 1983, à frente do Departamento de Organizações Civis. Ele fundou a UDI em 1988, na fase final da ditadura (1973-1990).
Mal-estar
Os parlamentares de esquerda abandonaram a sala durante a cerimônia de posse de Novoa, mas a presidente do Chile, Michelle Bachelet, e os legisladores da Concertação foram cautelosos ao opinar sobre o tema. “Sou uma presidente democrática, entendo-me com os poderes do Estado do modo adequado e me entenderei bem, como é adequado, com qualquer presidente do Senado ou da Câmara eleito pelos parlamentares”, disse a mandatária.
Joaquín Godoy, deputado da Renovação Nacional (o partido de Piñera), afirmou que o fato de a presidência das duas Casas estar nas mãos da Aliança será “um benefício para a campanha” da oposição, pois representa “duas oportunidades para mostrar aos cidadãos que a Aliança pode administrar muito melhor” e também permite impor o ritmo legislativo no ano eleitoral.
Já o cientista político Eugenio González, ex-reitor da Universidade do Chile, disse ao Opera Mundi que a eleição de Novoa “não é benéfica para ninguém – nem para a direita, nem para a instituição do Senado da República”. “Ele foi formado por Pinochet, e isso, para uma democracia como a nossa, não faz bem”, observou.
Mas González não acredita que a escolha de Novoa prejudicará significativamente a campanha de Piñera. “É provável que ela provoque algum dano, mas muito pequeno, porque no Chile o debate está tão avançado que este é apenas mais um caso.”
Apoio ao golpe?
“O candidato da Concertação (Eduardo Frei) também é uma pessoa que, em sua origem, apoiou o golpe militar, e é legítimo perguntar quem atira a primeira pedra quando o assunto é vocação democrática”, disse González. “O Chile está cheio de casos como este, temos senadores que foram golpistas, gente de esquerda que foi perseguida pela ditadura e hoje apoia a direita. Aqui, todos se prostituíram do ponto de vista ideológico.”
Indagado sobre o suposto apoio de Frei ao golpe militar, o vice-presidente da Democracia Cristã (partido do candidato governista), Marcelo Trivelli, disse não ter “nenhuma informação” indicando que isso tenha ocorrido. “Frei sempre foi um defensor dos direitos humanos e, naquela época, estava no mundo empresarial, não na militância política. Antes do golpe, parte da Democracia Cristã entendeu que estávamos numa situação de ruptura do Estado de Direito por parte do governo eleito (de Salvador Allende), mas não houve um chamado aos militares ou algo parecido”, observou.
Trivelli disse que a eleição de Novoa não terá impacto na campanha presidencial. “O Chile é um país que recuperou sua tradição republicana, e esperamos que ela se mantenha”, limitou-se a afirmar.
Enquanto isso, a Concertação continua buscando alianças com a esquerda que lhe permitam conquistar os votos necessários para vencer um provável segundo turno. Os governistas propuseram aos partidos de esquerda, entre eles o Partido Comunista, a composição de listas com candidatos a deputado comuns nas distintas regiões, como uma maneira de pôr fim à exclusão dessas agremiações, ofuscadas nos últimos anos pelo bipartidarismo que dominou o cenário político.
Piñera atacou a atitude dos governistas. “Hoje, aqueles que eram democratas não hesitam em pactuar com o Partido Comunista”, afirmou na semana passada, em declaração publicada pelo jornal La Nación.
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