A Itália acordou neste primeiro dia pós-eleitoral em meio à incerteza política, mas com uma mensagem muito clara de rejeição aos partidos tradicionais, os políticos de carreira e as receitas tecnocráticas do “novo” centro.
A queda dos votos da centro-direita do ex-premiê Silvio Berlusconi, ao lado da incapacidade da centro-esquerda de interpretar e assumir a raiva de milhões de italianos frente à “casta política” e à violenta crise econômica, abriu caminho para o êxito sem precedentes do Movimento 5 Estrelas (M5S), liderado pelo humorista Beppe Grillo.
Efe (24/02/2013)
Para historiador italiano, resultado das eleições palramentares significiou uma dura derrota para o ex-premiê Silvio Berlusconi
O resultado o levou a ser o primeiro partido do país e uma força determinante na composição do Senado da República, um dos dois setores do Parlamento italiano que os resultados eleitorais deixaram praticamente ingovernável.
Diante dessa situação, Gennaro Carotenuto, historiador e docente na Universidade de Macerata, Itália, descarta a opção de ir a novas eleições e, em sua conversa com Opera Mundi, traça dois cenários improváveis e um tragicamente possível.
Opera Mundi: Qual é sua análise do voto na Itália?
Gennaro Carotenuto: Há vários dados que devemos analisar para fazer uma primeira análise deste processo eleitoral. A centro-direita, aglutinada ao redor de Berlusconi, teve seus votos e consequentemente representantes no Parlamento reduzido à metade em apenas quatro anos. A mesma coisa acontece com os partidos de extrema direita, que reduzem viram sua porcentagem de quase dois terços cair.
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Da mesma forma, a direita tecnocrática de Mario Monti vem sendo contundentemente derrotada, em sua tentativa de se apresentar como alternativa à bipolaridade na Itália. Se por um lado manteve seu perfil no que vai ser o debate político no país, por outro se mostrou irrelevante quanto à quantidade de representantes no Parlamento.
Quanto à centro-esquerda de Pierluigi Bersani, acredito que perdeu outra chance. Não soube interpretar a rejeição das pessoas à “casta política”, desprendendo-se de sua imagem de partido tradicional que é “um pouco melhor que o partido de Berlusconi”. As pessoas estão cansadas de tudo isso e já não se conformam com essas propostas insípidas. Enfim, as eleições significaram uma dura derrota para Berlusconi e para uma centro-esquerda que, mais uma vez, não venceu.
OM: E o que dizer sobre o bom resultado do M5S de Grillo?
GC: Ele soube interpretar uma raiva que tem muitas facetas, apresentando um programa que, em quase sua totalidade, contém elementos claramente de esquerda, e no resto combina elementos meio direitistas e pura demagogia.
Também soube interiorizar o desejo profundo entre os italianos de ver que alguma coisa está mudando; que é possível pensar em uma alternativa aos partidos tradicionais e é por isso que a metade dos votos do M5S veio da centro-esquerda. Não tenho a menor dúvida de que, se fôssemos votar novamente, Grillo e M5S ganhariam as eleições.
OM: Que cenário político se abre agora?
GC: Não há uma maioria clara e o Senado é ingovernável. Há somente duas alianças possíveis que permitirão governar: a de Bersani (centro-esquerda) com Berlusconi (centro-direita) ou a de Grillo com Bersani.
A primeira seria um suicídio político para a centro-esquerda e o desengajamento definitivo das pessoas com essa formação política. No segundo caso, certamente há elementos comuns às duas forças que poderiam levar à composição de um governo de coalizão, para realizar algumas reformas importantes, eleger o novo Presidente da República e preparar o país para novas eleições em uns dois anos.
No entanto, acho que no final das contas, as forças tradicionais vão impor um novo governo técnico, para fazer uma reforma no sistema eleitoral e voltar às urnas.
OM: A análise geral é de uma Itália cansada e preocupada com o futuro?
GC: É evidente que a alta abstenção (25%, 5% a mais que em 2008) e o voto massivo na proposta de Grillo desenham um país que quer mudança e que já não suporta escutar mais do mesmo e assistir às mesmas dinâmicas. Uma possível aliança de Bersani com Berlusconi não só seria um suicídio para a centro-esquerda, como consagraria a ruptura definitiva com boa parte de sua base.