O fracasso dos governos militares e o atual sucesso de governos civis contribuíram para a solidificação da democracia na América Latina, de acordo com Alejandro Sanchez, especialista em assuntos militares do Instituto para Assuntos do Hemisfério (Coha, na sigla em inglês), de Washington. Para o estudioso, porém, o conceito de democracia frequentemente varia entre os países da região, como na Venezuela e na Colômbia, onde ultimamente, em sua opinião, prevalece a “ditadura da maioria”. Nessa entrevista ao Opera Mundi, Sanchez sublinhou como determinados mecanismos democráticos, como um parlamento livre e um judiciário neutro, ainda fazem falta no contexto geral.
Qual foi o efeito do golpe militar em Honduras sobre as populações dos outros países da América Latina?
Apesar do que aconteceu em Honduras, a maioria das pessoas não acredita que seja possível acontecer a mesma coisa em seus respectivos países. A proporção no Equador é um pouco mais elevada (36%), mas é um caso à parte, dado o alto número de golpes civis nos últimos anos lá.
No final das contas, tudo depende das relações entre civis e militares em cada país. No Peru, por exemplo, o último golpe militar foi em 1975, o que não significa que não houve tensões entre o governo e os militares desde então. Em 1992, houve uma tentativa de golpe contra Alberto Fujimori e quando Alejandro Toledo era presidente, havia fortes rumores de que isso seria tentado novamente.
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Qual é a percepção dos militares com relação ao tema?
Os militares sul-americanos se vêem como guardiões de seus países, se posicionam contra seus inimigos, sejam eles estrangeiros ou compatriotas. No entanto, eles perceberam como é difícil e complicado governar após o período dos regimes militares, entre os anos 1960 e 1980.
Pelas conversas que tive com vários oficiais, as forças armadas em geral preferem o poder civil, enquanto os civis não se envolvem em assuntos militares. Dito isto, haverá sempre a possibilidade de uma situação se agravar.
Segundo informe do instituto Latinobarómetro, é a primeira vez que os latino-americanos confiam tanto no governo quanto nas forças armadas. Como o senhor explica essa evolução?
O período dos governos militares na América do Sul nas décadas de 1960 e 1980 e as guerras civis e sujas (Argentina, Chile, América Central, México etc..) dá uma idéia do que pode acontecer quando um governo militar toma o poder, ou acaba sendo influente demais. As pessoas que eram jovens naquela época são adultas agora, têm família e lembram desse período obscuro da nossa história.
Além disso, sem generalizar, é possível afirmar que muitos países, como o Brasil, tiveram desenvolvimento econômico significativo sob controle civil. Isso, aliado à falta de guerras entre Estados há muito tempo, à relativa paz (exceto quanto à Colômbia e Peru e do problema da alta criminalidade em alguns países), propaga a idéia entre a população de que os governos civis “sim, funcionam”.
Como explicar o fato de que o apoio à democracia aumentou em tempos de crise, ao contrário do que aconteceu no passado?
Para começar, um ponto importante seria saber o que um latino-americano, dependendo de seu país de origem, entende por democracia. Eleger e reeleger [Hugo] Chávez e [Álvaro] Uribe, para venezuelanos e colombianos, é visto como o sucesso da democracia. Alguns analistas, porém, temem que isso acabe numa “ditadura democrática”.
Mas é claro que o apoio a um governo militar é hoje geralmente menor do que em épocas anteriores, devido aos fracassos dos governos militares. O informe menciona o fato de que, quanto mais educada, menos a pessoa apóia um governo militar. Isso significa que, com o aumento de nível de educação na região, essa percepção seguirá mudando.
O senhor vê uma contradição entre essa democracia reforçada e a tentação de permanecer no poder de alguns dirigentes latino-americanos?
Acho que é a mudança é saudável para a democracia. Mas existe um provérbio latino que diz: “a vontade do povo é a vontade de Deus”. Nesse sentido, a maioria dos colombianos e venezuelanos (ou pelo menos 50% mais um) gostaria de manter os seus líderes, mas isso não seria justo para os 49% restantes da população, que querem uma mudança. É o que chamamos de ditadura da maioria.
Um exemplo extremo foi o de Fujimori (que passou uma década no poder no Peru). Durante seus mandatos, ele teve o apoio do povo porque os peruanos queriam um líder forte, que não fosse de um partido tradicional. Com isso, aguentaram casos de corrupção, massacres de pessoas nas localidades de Barrios Altos e La Cantuta, em nome da luta contra o terrorismo. Não digo que Chávez e Uribe sejam novos Fujimori, mas o poder ilimitado, com um parlamento que se limite a aceitar o que o presidente diz, com um sistema judiciário que permanece neutro demais e a falta de uma sociedade civil organizada, é negativo.
O que falta para a América Latina ser ainda mais democrática?
O informe de Latinobarómetro mostra que, para os habitantes da região, as duas maneiras de se expressar são por meio do voto e do protesto. Dois terços deles pensam que o voto é o melhor caminho para mudar as coisas, o que é muito positivo, e 15% acham que é protestando. Para 14% das pessoas, nenhum deles tem como influir sobre a vida pública. Mas idéias como fazer lobby, procurar congressistas ou seus assessores, criar centros de pesquisas que publiquem informes para influenciar, organizar conferências, tudo isso ainda não foi suficientemente desenvolvido.
Leia o informe do Latinobarómetro na íntegra
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