“Tiram detentos das prisões para atos do kirchnerismo”. Com estas palavras, a manchete de primeira página do jornal Clarín denunciou, no último domingo (29/07), que internos das penitenciárias federais da Argentina seriam usados, sem autorização da justiça, para comícios políticos em apoio ao governo de Cristina Kirchner.
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Não tardou para que o ministro argentino de Justiça e Direitos Humanos da Argentina, Julio Alak, negasse as acusações de que a saída temporária de presos do sistema penitenciário federal, previstas pela lei, estaria sendo usada para finalidades políticas, e acusou o jornal, assumidamente antigovernista, de publicar “uma falácia absoluta”.
“Quero desmentir de forma terminal os disparates que o Clarín publicou hoje, não são só mentiras, são tão disparatadas que quase não há conceitos para poder qualificá-las. E também não são casuais, fazem parte de uma operação mediática muito clara”, disse, em um programa da TV Pública, antes de sair em defesa das saídas temporárias dos presos para a “ressocialização”.
[O ministro argentino Julio Alak]
Segundo Alak, a informação de que Eduardo Vásquez, o ex-baterista da banda de pop-rock “Callejeros”, preso pelo assassinato da esposa, saiu da unidade penitenciaria sem autorização judicial para tocar em um evento da agrupação kirchnerista “Vatayón Militante”, é falaciosa. “A primeira mentira [da reportagem] é que o interno foi transladado sem autorização”, garantiu.
“O serviço penitenciário federal argentino é o mais qualificado da América Latina. É o que tem 60% de sua população de internos estudando e 69,5% trabalhando, recebendo um salário mínimo, um caso quase único na América Latina”, ressaltou o ministro.
Segundo a reportagem do jornal Clarín, os detentos saem da prisão “para participar de eventos políticos disfarçados de atividades ‘culturais’”. “A trapaça estaria na redação dos pedidos [judiciais], em argumentar um evento cultural quando na realidade é um acontecimento político, com cânticos, bandeiras e consignas governistas”, conclui a publicação.
Alak, no entanto, afirma que o governo considera como um “orgulho” o que a reportagem “vê como defeito”. Segundo ele o sistema penitenciário federal argentino permite que “90% dos internos possam realizar atividades culturais múltiples, poesia, cinema, cafés culturais, shows, de acordo à ocasião”, disse, contradizendo a afirmação do jornal de que as saídas “são um benefício para poucos”.
Quanto à participação no evento realizado por partidários do governo, diz que “este grupo tem um centro cultural na avenida Corrientes e convidou um grupo de penitenciários que fazem atividades culturais para ir a um show. Eles foram e de nenhuma maneira este fato pode ser considerado um recrutamento político, mas sim como a possibilidade de [participarem de] um espaço social que faz atividades culturais”, afirmou.
Ainda de acordo com a reportagem de capa do jornal, o músico condenado também participou de um evento “ao ar livre, em pleno [bairro de] San Telmo, junto a dezenas de outros presos que puderam sair da prisão com a mesma desculpa”. “Ao redor, foram colocados estandes para que os presos pudessem vender seus artesanatos, trabalhos manuais e inclusive comida”, ilustra.
“Os internos vão [a San Telmo] para vender os produtos que eles elaboram, como artesanato, livros de poemas, uma infinidade de coisas que eles produzem nas prisões e vendem ao público, gerando muitos ingressos para o serviço e para eles, acompanhados de seus familiares”, explica Alak, complementando que “a notícia do Clarín diz que ‘levaram os internos e não se via a segurança’. O que querem? Estigmatizar? Que ponhamos caminhões, tanques e uniformizados?”, questiona.
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Segundo ele, “a boa segurança penitenciária é a que não se nota”. “Quando levamos um interno à UBA [Universidade de Buenos Aires], para fazer faculdade ou pós-graduação, a idéia é que a segurança não seja percebida. E que quando o interno entra em um curso universitário, não entrem quatro uniformizados, com uma arma, para cuidar dele, a idéia é que passe despercebido”, explica.
“Em San Telmo, tinha muitas pessoas de civis fazendo a segurança”, disse, qualificando o sistema penitenciário de “democrático, com reconhecimento internacional notável” e acusando o jornal opositor de tentar promover uma “desqualificação” da instituição.
“Seremos os organizadores do encontro para organizar as regras mínimas penitenciárias mundiais. Esse reconhecimento não é casual, a ONU não vai fazer este congresso aqui porque o sistema penitenciário não funciona bem”, garantiu.
Segundo Alak, as prisões federais argentinas conseguiram resolver problemas de superpopulação penitenciária, e hoje contam com 10,5 mil lugares para 9,7 mil internos. A denúncia de uso político de presos em apoio ao governo, divulgada pelo Clarín, foi feita inicialmente por Sérgio Schoklender, ex-administrador da Associação das Mães da Praça de Maio, acusado de malversação de fundos públicos.
Hebe de Bonafini, presidente da Associação, que acusou Schoklender de traição pelo desvio de verba destinada à entidade, denunciou recentemente estar sendo “ameaçada” pelo ex-administrador acusado, que atualmente enfrenta julgamento, em liberdade.