Há um ano, o presidente argentino, Alberto Fernández, anunciou que começava “uma guerra contra a inflação”. Há sete meses, o ministro da Economia, Sergio Massa, previu uma inflação de 3% antes de abril. A realidade, no entanto, foi bem diferente: o Instituto de Estatísticas e Censos da Argentina (INDEC) anunciou que a inflação de fevereiro foi de 6,6%, acumulando 102,5% nos últimos 12 meses.
É preciso recuar a setembro de 1991 para encontrar um índice semelhante (115%). Porém, se há 32 anos, a Argentina saía de uma hiperinflação, agora a inflação está em alta.
O maior aumento aconteceu nos alimentos (9,8%), cujo principal impacto acontece sobre o segmento mais pobre da população.
Os 6,6% de fevereiro ficaram acima dos 6,1% que os principais economistas do país previram, segundo a sondagem mensal do próprio Banco Central argentino.
Apesar de elevados, esses 6,6% foram contidos por preços congelados. Os aumentos nos preços não regulados pelo governo chegaram a 7,7%.
A meta de uma inflação mensal de 3% passou para o final do ano, mas poucos acreditam que seja possível alcançá-la. Há 13 meses, a Argentina não tem uma taxa mensal de inflação abaixo de 4%.
“A receita de congelamento ou de controles de preços aplicada pelo governo argentino tem sido insuficiente e sempre a mesma receita que combate os feitos e não as causas. Por isso, colhe sempre os mesmos resultados de fracasso”, aponta à RFI o analista econômico Damián Di Pace, diretor da consultora Focus Market.
Tendência de alta
Em janeiro, a inflação foi de 6%. A de fevereiro, 6,6%. Os cálculos para março projetam uma inflação de, pelo menos, 7%, baseados apenas nestas duas primeiras semanas do mês.
Os aumentos de março serão significativos em energia elétrica, gás, transportes públicos, planos de saúde e colégios privados.
Historicamente, março tende a ser um mês com uma inflação mensal superior à média do resto do ano, devido à mudança de estação (roupas) e começo do ciclo letivo (Educação)”, indica a consultora Ecolatina, a única a acertar a previsão de 6,6% de fevereiro.
Consultoras e bancos começam a projetar uma inflação acima de 110% em 2023, sobretudo devido à ausência de um plano de estabilização de preços e à tendência histórica num ano eleitoral, quando o governo expande a base monetária e injeta dinheiro na economia para melhorar as chances eleitorais.
“Essa aceleração na Argentina evidencia a incapacidade dos controles de preços. Por enquanto, não há razões teóricas para pensar que a inflação diminua e a incerteza num ano eleitoral pode, inclusive, piorar a situação”, conclui o economista Lautaro Moschet, da Fundação Liberdade e Progresso.
Mais dinheiro na economia, no caso argentino, no qual não há de onde tirar recursos, significa mais emissão monetária sem respaldo e mais déficit fiscal, fazendo a inflação aumentar.
“A inflação é, em última instância, um problema monetário. Ou seja: quanto dinheiro há para gastar. Emissão monetária é inflação a futuro”, sublinha o economista Fausto Spotorno, diretor da consultora Orlando Ferreres.
Maxi Gagliano/Pexels
Porém, se há 32 anos, a Argentina saía de uma hiperinflação, agora a inflação está em alta
Coquetel explosivo
O país vive uma prolongada seca que afeta a colheita agrícola, o principal setor exportador. Com isso, a Argentina deve exportar entre 15 e 20 bilhões de dólares a menos neste ano, um montante gigantesco para a atual economia desvalorizada.
Menos dinheiro em caixa, menos importação, menos produção, mais inflação.
A consultora Orlando Ferreres e o banco inglês Barclays, por exemplo, preveem uma inflação acima de 110%.
“Estimamos que o ano de 2023 termine com mais de 110% de inflação”, prevê Spotorno.
“Na argentina, ao contrário do resto da região, esperamos que a inflação aumente ainda mais neste ano”, indica um relatório do Barclays.
A Argentina está a ponto de entrar tecnicamente em recessão, combinando o encolhimento da economia com alta inflação. Pelos próximos sete meses, até as eleições de outubro, o governo deve injetar dinheiro na economia para atenuar essa combinação letal.
“O que mais funciona como expectativa de melhora hoje é que todos os agentes econômicos assumem que haverá uma mudança de governo e que virá um programa econômico de verdade, isto é, um ajuste fiscal, em busca do equilíbrio”, indica Spotorno.
“Em algum momento, será preciso uma forte desvalorização da moeda e um ajuste nas tarifas públicas que levarão a um aumento da inflação, uma inércia complicada para um novo governo, que estará obrigado a reformas profundas se quiser reverter o quadro”, aponta.
Contra a tendência na vizinhança
O observatório Venezuelano de Finanças (OVF) calcula inflação de fevereiro em 20,2%, com 537,7% nos últimos 12 meses, deixando a Venezuela no pódio inflacionário na região.
Fora a Venezuela, a Argentina está numa aceleração contrária à tendência dos países da região.
Somadas as taxas de inflação de fevereiro no México (0,6%), na Colômbia (1,6%), no Chile (-0,1%), no Peru (0,4%), no Uruguai (1%), no Paraguai (0,5%), no Equador (0,02%), na Bolívia (-0,4%) e no Brasil (0,84%), o número total chega a 4,84%. Bem menos do que os 6,6% da Argentina em fevereiro.
Somados os índices desses nove países nos últimos 12 meses, chega-se à cifra de 65,1%, bem abaixo dos 102,5% da Argentina.
A inflação da Argentina num único mês também supera a inflação dos últimos 12 meses no Brasil (5,6%). Um único mês na Argentina é mais do que o dobro da meta de inflação do Brasil (3,25%) em todo 2023.
Segundo uma pesquisa da consultora Maru Group, em toda a América Latina, o único país no qual os entrevistados indicaram que a inflação é a principal preocupação foi a Argentina.