Os argentinos enfrentam neste domingo (22/10) eleições decisivas para o futuro do país, que vive uma crise tão ou mais grave do que o colapso de 2001. Cerca de 35 milhões de eleitores renovam os mandatos de presidente e vice, metade da Câmara de Deputados e um terço do Senado – oito das 24 províncias elegem senadores. A disputa está embolada entre os três principais candidatos à Casa Rosada.
Os eleitores vão decidir se querem continuar com o peronismo de Sergio Massa, atual ministro da Economia, aliado de Cristina Kirchner e de Lula; se preferem as reformas prometidas por Patricia Bullrich, ex-ministra da Segurança apoiada por Mauricio Macri; ou se querem uma mudança radical, levando à Casa Rosada o economista anarcocapitalista Javier Milei, representante da extrema direita que recebeu apoio da família de Jair Bolsonaro.
Na véspera da votação, os argentinos deixaram vazias as prateleiras dos supermercados. As lojas de eletrodomésticos estão abarrotadas de produtos. Passagens aéreas e pacotes turísticos para as férias de verão, principalmente para o Rio de Janeiro, estão quase esgotados. Um estrangeiro desavisado poderia pensar que se trata de um “boom” de prosperidade. Mas o que os consumidores fazem é se livrar de suas economias em pesos.
A população se antecipa à desvalorização da moeda e ao consequente aumento de preços que acreditam possa acontecer na segunda-feira (23/10), após as eleições, especialmente se Javier Milei ganhar ou largar com ampla vantagem para o segundo turno, marcado para 19 de novembro.
Os três candidatos com mais chances dividem três terços do eleitorado, com ligeira vantagem para o ultraliberal Milei, seguido pelo governista Massa, quase empatado com a candidata da centro-direita, Patricia Bullrich. Se as urnas confirmarem uma escassa margem de diferença, o resultado apertado pode gerar contestação. Milei já levantou a hipótese de fraude e pode questionar a apuração, caso fique a poucos passos de vencer no primeiro turno ou não fique em primeiro lugar por curta margem de votos.
Na Argentina, ganha-se no primeiro turno com 45% dos votos ou mesmo com 40%, desde que haja uma diferença de, pelo menos, dez pontos em relação ao segundo colocado.
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População se antecipa à desvalorização da moeda e ao consequente aumento de preços que acreditam possa acontecer após primeiro turno
Aliança libertária bolsonarista
No fim de semana, Milei recebeu a visita de três deputados brasileiros bolsonaristas, incluindo Eduardo Bolsonaro, que vai acompanhar a apuração ao lado do aliado argentino, favorito na disputa. Antes, o filho “03” do ex-presidente brasileiro irá acompanhar o deputado Nahuel Sotelo, aliado de Milei, a votar. Foi Sotelo que convidou Bolsonaro a visitar a Argentina.
“As semelhanças entre Jair Bolsonaro e Javier Milei acontecem não só entre os dois políticos, mas também entre os eleitores. Os dois são carismáticos e traduzem politicamente setores do eleitorado que se sentem marginalizados, não ouvidos, nas profundezas do Brasil e da Argentina. Os eleitores dos dois também têm cortes transversais em idades e em territórios dos eleitores”, disse à RFI o analista político Gustavo Marangoni.
Ponto nevrálgico da disputa
Quatro províncias argentinas elegem governadores, incluindo a capital do país e a província de Buenos Aires, o maior colégio eleitoral do país, com 39% dos votos. A eleição será definida nessa região, onde também acontece a disputa mais acirrada entre as três forças que disputam o Congresso e a Casa Rosada.
A vice-presidente Cristina Kirchner, que adotou um silêncio estratégico para não prejudicar o aliado Sergio Massa nesta campanha, tem dois objetivos para manter vivo o chamado ‘kirchnerismo’, a ala mais radical do Peronismo e aliada do presidente Lula.
Condenada a seis anos de prisão por corrupção e enfraquecida politicamente, Kirchner pretende que Massa obtenha, pelo menos, 30% dos votos. Isso levaria boa parte da sua tropa ao Congresso, onde, mesmo sem maioria, poderia exercer influência ou mesmo bloquear boa parte das iniciativas do novo governo. É na província de Buenos Aires que o ‘kirchnerismo’ pretende se refugiar à espera do fracasso do novo governo, especialmente se for o de Javier Milei.
“O que está em jogo nestas eleições é se queremos que o ‘kirchnerismo’ fique na província de Buenos Aires, se queremos que a província seja o território onde o ‘kirchnerismo’ vai se esconder. Não queremos que haja esse reduto. Pelo contrário: queremos terminar com todas as medidas populistas que levaram a Argentina ao nível de pobreza atual (40% da população), com praticamente seis de cada dez crianças argentinas sem poder comer nem se vestir dignamente”, aponta à RFI Marcela Pagano. Ela lidera a lista de candidatos de deputados na província de Buenos Aires pelo partido A Liberdade Avança (“La Libertad Avanza”), de Milei. Segundo dados oficiais, entre crianças e adolescentes de até 14 anos de idade, a pobreza atinge 56,2% dos menores.
A votação se estenderá até as 18 horas pelo horário de Brasília. Os primeiros resultados só podem ser divulgados a partir de 21 horas. Acredita-se que a tendência definitiva só ficará clara a partir de 22h30.