O primeiro-ministro do Peru, Guido Bellido, afirmou nesta quinta-feira (26/08), durante a votação de confiança do Congresso ao gabinete de ministros do presidente peruano Pedro Castillo, que o governo busca como “aspiração” alcançar “mudanças importantes na estrutura estatal e econômica” do país.
“Nossa principal aspiração é alcançar, de forma democrática, mudanças importantes na estrutura estatal e econômica. Vamos colocar nossas diferenças de lado e contribuir para solucionar uma das crises mais graves das últimas décadas”, disse.
A declaração de Bellido ocorreu durante uma votação decisiva no Parlamento peruano no qual os 130 deputados que compõem a Casa devem decidir se aprovam ou não um voto de confiança ao corpo ministerial do mandatário.
O debate no Congresso peruano sobre uma eventual aprovação ou não ainda está, até o momento do fechamento desta reportagem, sendo realizado.
O discurso do premiê Guido Bellido começou marcado por protestos de opositores e aplausos dos deputados da base do governo. Bellido iniciou sua fala em quéchua, idioma nativo de povos indígenas peruanos, fato que motivou hostilidade da direita. A presidente do Congresso, María del Carmen Alva, interrompeu o ministro e pediu que ele traduzisse tudo o que havia falado e passasse a realizar o pronunciamento em espanhol. “Os demais não entendemos”, justificou a parlamentar.
Ao abordar os principais temas e propostas do governo de Pedro Castillo, entre eles o combate à pandemia, a recuperação econômica e a geração de empregos, Bellido manteve um tom altivo e seguiu apelando à “unidade” do Congresso e do país para a realização dos projetos.
Bellido ainda prometeu que o governo conduzirá uma política externa “de integração, sem distinções ideológicas”, que combaterá o “terrorismo e o narcotráfico” e que não serão instaladas as rondas camponesas em zonas diferentes de onde surgiram.
Se referindo indiretamente às acusações de “radicalismo” do seu gabinete, o premiê afirmou que são “respeitosos à estrita separação dos Poderes” e garantiu que o governo buscará “construir pontes” com o Congresso.
“Ao nos conceder esse voto de confiança, não vamos decepcionar, nem a vocês nem aos nossos compatriotas, pois sabemos e conhecemos as consequências de uma mau governo”, concluiu Bellido.
Parlamentares se manifestam
Os primeiros deputados a se manifestarem após o discurso de Bellido foram parlamentares do partido governista Peru Livre. A tônica geral dos discursos foi o apelo ao Parlamento para que conceda o voto de confiança ao gabinete, uma tarefa considerada pelos deputados como “fundamental para o funcionamento democrático do país”.
Reprodução/ @congresoperu
São necessários 66 votos de 130 para obter o voto de confiança do Congresso
O deputado Nano Guerra, porta-voz da bancada do partido de extrema direita Força Popular, da ultradireitista Keiko Fujimori, foi ofensivo ao se referir ao pronunciamento do primeiro-ministro como “medíocre” e adiantou a recusa da legenda à aprovação do gabinete, afirmando que “é impossível conceder um segundo de confiança” ao governo.
A posição de Guerra já adianta a posição dos 24 parlamentares do Força Popular. São necessários 66 votos de 130 para obter o voto de confiança.
Por sua vez, o porta-voz da bancada do partido Somos Peru-Partido Morado, José Jerí, cumprimentou o discurso de Bellido e afirmou que o fato do premiê não ter mencionado a proposta de convocação de uma Assembleia Constituinte e a redação de uma nova Constituição – um dos principais projetos de Castillo – sinaliza uma “busca por aproximação com o Congresso”.
A posição do Somos Peru-Partido Morado é incerta: alguns parlamentares garantiram que votarão com o governo, outros ainda disseram que estão em dúvida.
O que acontece se o governo perder?
Caso o Congresso peruano rejeite o gabinete ministerial de Castillo, o primeiro-ministro – cujo cargo formal é chamado de presidente do Conselho de Ministros – deve renunciar ou ser substituído pelo presidente.
Homem forte do Peru Livre e abertamente socialista, o atual premiê Bellido tem sido um dos principais alvos de críticas e pressões por parte da direita. Setores ligados ao partido de Keiko Fujimori insistem em acusar o ministro de “vínculo com terrorismo”, por uma suposta ligação entre Bellido e o Movadef, que seria o que a direita chama de “braço político” do grupo guerrilheiro Sendero Luminoso. Bellido e governo negam todas as acusações.
Diante de uma derrota no Congresso, Castillo seria obrigado a rearranjar seu gabinete. Existem dois cenários possíveis para essa mudança: a única obrigatoriedade constitucional é a mudança do primeiro-ministro, o que abre possibilidade para que o presidente “dobre a aposta” e apresente o mesmo corpo de ministros, apenas com um premiê novo.
A segunda possibilidade é a de que o presidente faça, de fato, mudanças significativas em seu gabinete e nomeie ministros mais “moderados”, cedendo aos apelos da direita que insiste em classificar alguns atuais chefes de pastas como “radicais” e não abertos ao diálogo.
Uma vez formado um possível segundo gabinete, Castillo deve submetê-lo mais uma vez à aprovação no Congresso. Caso o Legislativo torne a recusar, a Constituição garante a possibilidade do presidente dissolver a Casa e convocar novas eleições parlamentares.
Diante de tal cenário conturbado, a expectativa do governo é conseguir a aprovação já na votação desta quinta-feira, pois o desgaste que se abateria sobre o Executivo antes mesmo de completar um mês de gestão – Castillo tomou posse no dia 28 de julho – prejudicaria os planos do mandatário.