A suposta “irrelevância” da França para o governo brasileiro, na opinião do ministro da Economia, Paulo Guedes, teve mais repercussão nas redes sociais e na mídia do que provocou qualquer reação do governo francês. As autoridades francesas continuam ignorando nesta sexta-feira (12/08) a notória linguagem grosseira utilizada pelo ministro em relação a Paris, enquanto as manifestações de quinta-feira em defesa da democracia são avaliadas como “uma séria advertência” para o governo Bolsonaro.
Alguns internautas aproveitam a esnobada de Paulo Guedes na França para criticar a política externa do presidente Emmanuel Macron, assinalando que os países emergentes não aceitam mais ser tratados como subalternos. Outros dizem que não veem a hora de o Brasil virar a página do governo de extrema direita no dia 2 de outubro, data do primeiro turno das eleições. Um internauta francês escreveu no Twitter: “O Brasil não pode mais ser governado por cretinos”.
Nas redes sociais, a maioria dos franceses criticaram a falta de educação e de diplomacia de Guedes, considerando que “isso não é linguagem que possa ser usada por um ministro de Estado”.
Na abertura do Congresso Nacional da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes, na terça-feira (09/08), Guedes contou aos participantes uma conversa que teve com um ministro francês que criticou a política ambiental do Brasil e as queimadas na Amazônia. Citando dados do comércio exterior, ele disse que no ano ano 2000, o Brasil comercializava US$ 2 bilhões com a França e também com a China, enquanto hoje o comércio com os franceses representa US$ 7 bilhões, enquanto subiu para US$ 120 bilhões com a China. “Vocês estão se tornando irrelevantes para a gente; é melhor vocês nos tratarem bem, senão nós vamos ligar o foda-se e ir embora para o outro lado”, disse Guedes, reportando a conversa com o ministro francês, que não teve seu nome citado.
“Ministros de Bolsonaro são pagos pela grosseria”, diz internauta
“No governo Bolsonaro, dá para ser grosso e ministro; e aliás é pela grosseria que eles são recompensados”, comentou um francês abaixo do vídeo de Guedes. Muitos notaram que Guedes está em campanha para “o chefe”, em segundo lugar nas pesquisas, atrás do ex-presidente Lula.
Outro tuíte incluiu Bolsonaro no time de líderes autoritários, fazendo referência ao chinês Xi Jinping, ao russo Vladimir Putin e ao premiê húngaro, Victor Orban, que teriam interesse “em destruir as democracias ocidentais, depois de não terem conseguido com fake news e propaganda”. “Agora partem para o uso de armas”, assinalou o francês.
Isac Nóbrega/PR
As autoridades francesas continuam ignorando nesta sexta-feira (12/08) a notória linguagem grosseira utilizada pelo ministro
Algumas emissoras que têm programas de debate repercutiram a fala de Guedes com seus convidados. A rádio RMC, que tem um talk em que o objetivo é falar de tudo sem papas na língua, tinha um economista na roda, na quinta-feira, Thomas Porcher, membro de um grupo de economistas críticos à “ortodoxia neoliberal”.
Porcher assinalou que não tinha a menor simpatia pelo governo Bolsonaro, mas destacou que a fala de Guedes reflete o que estaria acontecendo em nível mundial. “Os emergentes não querem mais abaixar a cabeça”, opinou. “O Brasil tem relações com outros países e acabou essa história de o G7 (grupo de potências ocidentais), ou de um pequeno número de líderes dizerem aos outros como o mundo deve ser organizado”, argumentou Porcher.
O apresentador que animava o debate na rádio RMC disse que a China e a Índia falavam a mesma coisa para a França, “porém com mais educação”. Outra participante defendeu Macron, ao afirmar que tendo um território na Amazônia, a Guiana Francesa, o presidente francês tinha legitimidade para criticar as queimadas na Amazônia. Desde a chegada de Bolsonaro ao poder e o aumento dos incêndios na Amazônia, a França bloqueia a aplicação do acordo comercial firmado entre o Mercosul e a União Europeia, assinado em 2019.
União da sociedade civil contra golpismo de Bolsonaro
Nesta sexta-feira, a imprensa francesa repercutiu a leitura da carta em defesa da democracia ocorrida na Faculdade de Direito da USP, em São Paulo. O jornal Le Figaro, de linha editorial conservadora, considerou a contestação como “uma séria advertência, a dois meses das eleições”. “A sociedade civil e o empresariado se uniram em defesa da democracia brasileira em um momento de risco imenso”, explica o Figaro.
Este grande jornal francês destaca que os empresários apoiaram a eleição de Bolsonaro em 2018 seduzidos por seu programa econômico liberal. “Hoje, eles temem sobretudo a instabilidade provocada pelo presidente brasileiro”, observa a reportagem.
O Libération, declaradamente progressista, deu manchete de capa para a campanha eleitoral no Brasil, dizendo que “a democracia está em jogo” com as ameaças golpistas de Bolsonaro, a campanha contra a urna eletrônica e a chamada para o levante no 7 de setembro.
A correspondente em São Paulo, Chantal Rayes, acompanhou a leitura da carta na Faculdade de Direito da USP. Lembrou que, no mesmo local, em 8 de agosto de 1977, durante a ditadura militar, foi lida uma carta pedindo o fim da ditadura. Entre os apoiadores de 2022, estão diversas personalidades de diferentes setores da sociedade – do banqueiro Roberto Setúbal ao fundador do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), João Pedro Stédile –, relata a correspondente.
“Até mesmo o hesitante empresariado brasileiro acabou cedendo”, diz o Libé, lembrando que a Fiesp também lançou seu próprio manifesto pela democracia, assinado pelo setor bancário e associações do agronegócio, que apoiam em massa o atual governo. No entanto, o diário afirma que Bolsonaro, que tem entre 29% e 35% das intenções de voto, dependendo da pesquisa, ainda pode bater Lula (38% a 47% das intenções de voto). A vantagem do petista pode diminuir, quando os auxílios sociais aprovados pelos aliados do atual presidente no Congresso começarem a influenciar os eleitores mais pobres, explica o Libération. As verbas bilionárias começaram a ser distribuídas no dia 8 de agosto.