Ao condenarem a “tentativa de golpe” no Brasil, os governos da América Latina pressionam por uma reação ativa dos órgãos e dos blocos regionais, advertindo para o risco de uma réplica do exemplo brasileiro pela vizinhança.
As manifestações pela América Latina de repúdio ao ataque contra os três poderes do Brasil e de solidariedade com o presidente Lula não escondem o temor de que um “abalo” na democracia brasileira possa atingir a região. Contra esse risco, líderes regionais procuram amparo na comunidade internacional.
“Para nós, a vigência da democracia e do ordenamento institucional brasileiro é fundamental. O que aconteceu é um golpe contra a institucionalidade democrática do Brasil e, portanto, afeta toda a região. Por isso, precisamos ser muito nítidos nas nossas manifestações de repúdio porque precisamos preservar a democracia na nossa região. Não minimizemos o que aconteceu”, indicou Jorge Faurie, ex-ministro das Relações Exteriores da Argentina (2017-2019).
Rechazo y condena absoluta a los agitadores populistas – presuntamente seguidores bolsonaristas – que atacan y ocupan hoy el Palacio Gobierno y la Corte Suprema del Brasil, en un claro ataque a la democracia de ese país;
— Jorge Faurie (@JorgeFaurie) January 8, 2023
O governo argentino foi o mais ativo contra o ataque às instituições no Brasil, a ponto de o presidente Alberto Fernández oferecer ao governo brasileiro, através do ex-chanceler Celso Amorim, viajar imediatamente a Brasília para oferecer apoio ao presidente Lula de forma pessoal.
Argentina convoca a CELAC e o Mercosul
Alberto Fernández tem, neste momento, uma tripla representatividade como presidente do país mais estratégico para o Brasil e vice-versa, como presidente da Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (CELAC), um foro que reúne os 33 países, e como presidente temporário do Mercosul, bloco formado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai.
Demostremos con firmeza y unidad nuestra total adhesión al Gobierno elegido democráticamente por los brasileños que encabeza el presidente @LulaOficial.
— Alberto Fernández (@alferdez) January 8, 2023
“Aqueles que tentam não ouvir a vontade das maiorias, atentam contra a democracia e merecem não só uma sanção legal, mas também a rejeição absoluta da comunidade internacional. Como Presidente da CELAC e do Mercosul, alerto os países membros para que nos unamos contra esta inaceitável reação antidemocrática que se tenta impor no Brasil”, advertiu o presidente argentino, nas redes sociais.
No próximo dia 23 de janeiro, o presidente Lula estará na capital argentina para inaugurar, com uma reunião bilateral, as suas viagens internacionais. No dia seguinte, reúnem-se também em Buenos Aires os líderes da CELAC. O ataque às instituições democráticas brasileiras deve ser o assunto central do debate regional.
“Estamos juntos do povo brasileiro para defender a democracia e para não permitir nunca mais o regresso dos fantasmas golpistas que a direita promove”, acusou Alberto Fernández, convocando os países latino-americanos a uma reação em conjunto.
“Demonstremos com firmeza e com união a nossa total adesão ao governo eleito democraticamente pelos brasileiros, liderado pelo presidente Lula”, pediu.
Colômbia pressiona a OEA
Em linha com as palavras do seu presidente, a própria CELAC comunicou o seu apoio ao governo do Presidente Lula perante as ações violentas contra os três poderes brasileiros.
“A Presidência pro tempore da CELAC manifesta o seu apoio ao governo Lula, eleito pelo povo do Brasil, e rejeita as ações violentas contra as instituições democráticas brasileiras”, posicionou-se institucionalmente o foro regional, criado para incluir Cuba às discussões regionais e, ao mesmo tempo, excluir a influência dos Estados Unidos, dominante na Organização dos Estados Americanos (OEA).
Enquanto o presidente argentino enfatizava o peso da CELAC para defender a democracia no Brasil, o presidente colombiano, Gustavo Petro, convocava uma “urgente reunião da OEA” para repudiar a “tentativa de golpe” no Brasil, promovida pelo “fascismo”.
Matheus Alves/Midia Ninja/Twitter
Contra esse risco, líderes regionais procuram amparo na comunidade internacional
“O fascismo decidiu dar um golpe. É hora urgente para uma reunião da OEA se quiser continuar viva como instituição e aplicar a carta democrática”, disse, através das redes sociais, o presidente colombiano, recordando que “o seu governo defendeu fortalecer o sistema interamericano de Direitos Humanos”, diante dos “golpes parlamentares ou golpes violentos da extrema-direita”.
“O que aconteceu no Brasil é de extrema gravidade porque gera uma crise de governabilidade que afeta diretamente o presidente Lula. Mas este não foi um golpe. Foi um movimento insurrecional de convocados em desafio à autoridade presidencial de Lula que conseguiu capturar as sedes dos três poderes e que contou com a passividade ou com o apoio ativo das forças de segurança. A crise de governabilidade se manifesta na impossibilidade de Lula exercer o poder político diante das forças de segurança”, avalia o analista internacional Jorge Castro, uma referência na Argentina.
“As próximas horas serão fundamentais para o futuro do governo Lula e, ao mesmo tempo, para o futuro da nossa região. Os dois destinos estão atados”, reforça o ex-chanceler Jorge Faurie.
Ataque contra a democracia
O Presidente do Chile, Gabriel Boric, classificou como “covarde e vil o ataque à democracia” no Brasil.
Chile rechaza la inaceptable acción antidemocrática que agrede a los tres poderes del Estado de Brasil. Estamos impulsando con otros países la convocatoria a una sesión extraordinaria del Consejo Permanente de la OEA para respaldar la democracia y el Estado de derecho en Brasil. https://t.co/XfQs79aEYH
— Antonia Urrejola (@UrrejolaRREE) January 8, 2023
“Inapresentável ataque aos três poderes do Estado brasileiro por parte de ‘bolsonaristas’. O governo do Brasil conta com todo o nosso apoio perante este covarde e vil ataque à democracia”, anunciou Gabriel Boric, através das redes sociais.
O presidente do Equador, Guillermo Lasso, um governante de direita, também condenou “as ações de vandalismo contra as instituições” e que “atentam contra a ordem democrática e contra a segurança da cidadania”.
Condeno las acciones de irrespeto y vandalismo perpetradas a las instituciones democráticas en Brasilia, pues atentan contra el orden democrático y la seguridad ciudadana. Expreso mi respaldo y el de mi Gobierno al régimen de @LulaOficial legalmente constituido.
— Guillermo Lasso (@LassoGuillermo) January 8, 2023
“Expresso o meu apoio ao regime de Lula, legalmente constituído”, manifestou Lasso.
A reação dos países vizinhos aconteceu assim que milhares de seguidores do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro invadiram os prédios dos três poderes do Brasil. Os radicais manifestantes querem a intervenção das Forças Armadas para derrubar o presidente Lula, há uma semana no cargo.
Mesmo sem provas, alegam uma suposta fraude nas recentes eleições brasileiras que, em 30 de outubro passado, deu a vitória a Luiz Inácio Lula da Silva por 50,9% dos votos válidos contra 49,1% do ex-presidente Jair Bolsonaro, candidato derrotado à reeleição.
“Esses grupos veem Lula como um presidente ilegítimo e passam a atacar a democracia representativa, justamente a forma como é definida a missão constitucional de governar. Esse fenômeno tem-se repetido pela América Latina: quando o resultado das urnas não é o desejado, as lideranças manipulam as pessoas para que façam justiça pelas próprias mãos, passando da democracia representativa a uma suposta democracia direta que enfraquece as instituições”, conclui o analista internacional Juan Battaleme.