Vila Pirituba, região periférica da zona norte de SP. A UBS (Unidade Básica de Saúde) do bairro, localizada na rua Ribeirão Vermelho, é uma das unidades que recebem profissionais do Mais Médicos, programa do governo federal que somou mais de 18.240 profissionais em 4.058 municípios, segundo dados oficiais, ao longo de seus dois anos de existência — aniversário que foi celebrado em evento na última terça-feira (04/08) pela presidente Dilma Rousseff, que tinha no programa uma de suas principais bandeiras.
O cubano Teodoro Mendez e o venezuelano Alvaro Cardona trabalham no local desde 2013 com o PSF (Programa Saúde da Família) — sistema de atenção básica, que atende a população com ações de prevenção de agravos, tratamento e reabilitação.
Imagem: Prefeitura de SP
Alvaro Cardona em atendimento na periferia de SP: venezuelano é um dos profissionais do programa 'Mais Médicos' na capital paulista
“Quando necessário, vamos na casa das pessoas e fazemos o acompanhamento de perto. Viemos ao Brasil para fazer esse trabalho com os brasileiros e ajudar nas necessidades dos pacientes. A atenção básica é muito importante para prevenir o agravamento de doenças”. Assim descreve Cardona a rotina de trabalho.
Quando chegaram ao Brasil, a UBS Vila Pirituba estava há pelo menos um ano sem médicos no PSF. Essa é uma situação recorrente em outros milhares de postos de atendimento no país.
Para os estrangeiros da UBS Vila Pirituba, melhorar o atendimento e as condições de trabalho na atenção básica é uma “questão fundamental” para a evolução do sistema de saúde no Brasil. Teodoro Mendez defende que o atendimento primário deveria ter um “peso maior” no currículo dos estudantes de medicina no Brasil.
“A diferença fundamental [na medicina] entre Brasil e Cuba é no desenvolvimento da atenção básica. Esse tipo de atendimento é a porta de entrada do sistema de saúde. É onde cidadão começa a ser tratado e, a partir disso, podemos prevenir um agravo, o que evita uma ida ao hospital, gerando um custo maior e um número maior de profissionais deslocados. Com os procedimentos corretos na atenção básica, é possível evitar que a maioria dos casos se torne casos de atenção secundária [com atendimento hospitalar]”, analisa Teodoro Mendez.
Assista aqui à reportagem em vídeo:
Pesquisa realizada em 2014 pela Prefeitura de SP nas UBSs da cidade confirma que a chegada dos profissionais do Mais Médico tem surtido efeito na atenção básica. De acordo com a coordenadora da Atenção Básica no município, Rejane Calixto, o trabalho mais humanizado dos profissionais e a interação dos estrangeiros com os brasileiros têm trazido “grande satisfação com o atendimento”.
“Com a pesquisa, conseguimos observar que nas unidades onde os profissionais do Mais Médicos atuam os pacientes são menos encaminhados para outros pontos de atenção, como hospitais. Ou seja, conseguimos com a atenção básica resolver os problemas daquele paciente no âmbito daquela unidade onde essa pessoa está sendo atendida. Isso é um fator positivo que a população tem referenciado nos estudos que fizemos”, analisa Rejane.
Trabalho mais humanizado
A criação de vínculos com as pessoas e o atendimento mais humanizado dos médicos estrangeiros são pontos de destaque do programa, argumenta a coordenadora: uma vez mais próximos dos pacientes, conseguem resolver de forma direta os problemas.
“Ninguém fala para você que quando você se formar você mudará o mundo. Mas tudo depende da vocação. Se você tem amor pelas pessoas, o atendimento será espetacular. Mas se você não apoia o paciente ou não vê a necessidade que ele tem naquele momento, o atendimento será ruim. Escutar o paciente é o mais importante. Isso representa 75% dos diagnósticos”, diz o venezuelano Cardona.
“O atendimento deles [médicos estrangeiros] é muito bom. Eles tratam da gente com atenção, examinam, olham o coração, verificam a pressão. É melhor que alguns brasileiros, que sequer olham para gente e já receitam um remédio. Você está com dor nas costas e eles receitam remédio para o pé”, conta Severino Pereira de Melo, 65 anos, paciente da UBS Vila Pirituba.
Há quase dois anos morando e trabalhando na UBS Vila Pirituba, Mendez e Cardona negam qualquer tipo de diferença com os médicos brasileiros. “Fomos muito bem recebidos pelos colegas e pela população”, diz Cardona. “A aceitação ao nosso trabalho é ótima. Não tenho experiência de ter alguma diferença entre meu atendimento, como cubano, ou de algum brasileiro. Trabalhamos em equipe”, destaca Mendez.
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Sobre a hostilidade de alguns brasileiros à chegada de estrangeiros, Cardona afirma que não vieram ao país para competir. “Essa mentalidade [de aversão aos médicos estrangeiros] vai mudar, pois estamos ajudando e as pessoas estão gostando do nosso trabalho. Na última turma inscrita no Mais Médicos, a maioria é brasileira. Pois acreditaram no programa e isso é uma mudança positiva. Acho injusto o paciente aguardar tanto tempo para ser atendimento. Da mesma forma que é injusto com o médico que precisa atender rápido, pois tem pouco tempo”, analisa.
Para Rejane, parte da rejeição inicial ao programa estava relacionada à falta de informação sobre o funcionamento do Mais Médicos. “As pessoas só enxergavam que estavam chegando médicos de fora para ocupar vagas para brasileiros. O primeiro eixo do programa é fornecer médicos para os locais onde não há profissionais. O segundo é o fortalecimento da atenção básica. E o terceiro, talvez o mais importante de todos, é a formação dos médicos. Então, o programa é muito mais amplo que a reprodução de médicos”, explica Rejane.
“Serão três anos do programa Mais Médicos. Os estrangeiros vão voltar para os seus países. Mas paralelo a isso, iremos investir na formação dos médicos aqui no Brasil nesse modelo, que preza pela relação médico/paciente mais humanizada, acolhedora, resolutiva”, conclui.