A Argentina é reconhecida internacionalmente pela investigação contra tortura, mortes e desaparecimentos no período militar (1976-1983). O país também é apontado como modelo a ser seguido na apuração e punição de crimes contra humanidade. Já no Brasil, há divergências sobre a abrangência dos resultados da Comissão Nacional da Verdade e sobre a eficiência da Justiça em condenar responsáveis por mortes e desaparecimentos na ditadura.
“Em termos de apurar os acontecimentos em períodos ditatoriais, a experiência argentina é praticamente oposta à brasileira”. Esta é análise de Janaína Teles, doutora em História Social pela USP e pesquisadora das ditaduras militares na América do Sul, ao discutir As Diferenças entre as Comissões da Verdade, no Brasil e na Argentina, na Aula Pública Opera Mundi.
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Para a especialista, os regimes de Brasil e Argentina tiveram envolvimento da sociedade civil muito díspares, o que resultou em configurações opostas na apuração dos crimes cometidos.
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Na Aula Pública, Janaína Teles discute diferenças entre as Comissões da Verdade de Brasil e Argentina
“A forma como a ditadura na Argentina acabou foi muito rápida e violenta. Além disso, o governo ficou desmoralizado com a derrota na Guerra das Malvinas. Quando o governo civil tomou o poder, na mesma semana, convocou a Conadep (Comissão Nacional sobre Desaparecidos de Pessoas Argentinas). O relatório final das investigações argentinas de crimes contra humanidade teve entrevistas com familiares na televisão, com muita comoção nacional. Os principais líderes militares que comandaram o país também foram julgados com transmissão televisiva. Isso foi muito impactante e as pessoas foram compreendendo todo processo: como funcionava o julgamento, como as partes se pronunciam, a importância dos argumentos, como funciona a defesa. Todo processo teve um valor de formação política. Não tivemos isso no Brasil”, explica.
No Brasil, por um lado, uma série de fatores políticos impediu a instauração de mecanismos de investigação e punição no período ditatorial. Há dificuldade, explica Janaína Teles, até mesmo para assumir como crimes atos de violência estatal praticados durante a ditadura brasileira.
“Crimes contra a humanidade podem ser julgados em qualquer época ou qualquer tempo. Por isso, até hoje, podemos ver idosos que participaram de atividades nazistas sendo processados. No caso brasileiro, temos um problema: o STF (Supremo Tribunal Federal) votou no ano de 2010 que considera constitucional a Lei de Anistia de 1979, considerando que perseguidos políticos, presos e torturadores foram anistiados na época. Como a Comissão da Verdade no Brasil classificou como crimes da contra a humanidade no período ditatorial no país, isso irá pressionar o STF no julgamento do pedido de revisão da Lei de Anistia de 1979”, diz.
Aula Pública Opera Mundi:
*Coordenação-geral: Haroldo Ceravolo Sereza | Produção: Dodô Calixto | Edição de vídeo: Daniela Stéfano