Bairro artístico de Porto Príncipe, onde lixo virava escultura, também foi afetado pelo terremoto
Bairro artístico de Porto Príncipe, onde lixo virava escultura, também foi afetado pelo terremoto
Até uma semana atrás, o som da batida dos metais ditava o ritmo de Croix-des-Bouquets, bairro bucólico e acolhedor de Porto Príncipe onde o ferro era reciclado em arte, dando origem a figuras que iam desde anjos com asas até seres imaginários e personagens do vodu, religião de grande parte da população haitiana.
Cada um fazia a sua arte como podia, uns em espaços mais modestos e outros em amplos galpões com exposições de mesas, armários, luminárias, tudo feito em metal reciclado. Dentro da miséria e da desesperança que já eram parte do dia-a-dia da capital haitiana antes do terremoto, o bairro diferia dos demais porque as pessoas conseguiam sobreviver da arte. Jacques Eugene, por exemplo, aproveitava os tambores de óleo que não serviam mais para nada e os transformava em esculturas.
“Ganho 50 dólares numa obra minha. É um bom dinheiro porque os haitianos não conseguem nem ganhar um dólar por dia. É a única coisa que sei fazer e por isso me esforço bastante para sobreviver da arte”, disse recentemente a esta repórter.
Além do ganha-pão, a reciclagem era uma forma de diminuir os problemas ambientais do país. Todos os anos, chegam ao Haiti pneus usados de 45 países diferentes. É comum andar pela rua e ver pneus jogados por toda parte. Eles já chegam gastos e, portanto, rapidamente viram entulho. São largados onde der, já que não existe um lugar próprio para descarte.
Inquieto com a situação, o arquiteto Pierre Charles Gary começou a dar uma utilidade a esses materiais. Com os hippies da Califórnia, ele aprendeu a construir casas com pneus velhos.
“Há cerca de 300 mil veículos no país. Imagine isso multiplicado por quatro e é o número de pneus que ficam jogados nas ruas. Quero promover o uso de pneus de maneira inteligente e racional para um uso útil para a sociedade”, desabafou Gary.
Tucanos, araras, periquitos
Cortando a borracha preta do pneu, Gary criou pássaros: tucanos (abaixo), araras, periquitos. Em janeiro deste ano, pretendia expor o trabalho em Paris. Gary comemorava o sucesso de seu trabalho, não só porque pretendia exportá-lo, mas pela oportunidade de ensinar os distintos usos possíveis do material.
“Quero oferecer à população uma atividade que lhes possa trazer dinheiro a partir de praticamente nada. Quero devolver em forma de arte o que os países nos mandam em forma de lixo”, diz.
Croix-des-Bouquets foi afetado pelo terremoto, segundo o professor brasileiro Ricardo Seitenfus, líder da missão da OEA (Organização dos Estados Americanos), que estava no Brasil no dia do terremoto e agora está em Porto Príncipe. Gary está bem, assim como sua família. De Eugene, ele não tem notícia.
Texto e fotos.
NULL
NULL
NULL
