Fotos: Marcel Vincenti/Opera Mundi
Manifestantes se reuniram em frente ao palácio do primeiro-ministro do Líbano, Tammam Salam
Milhares de pessoas se reuniram neste sábado (29/08) no centro de Beirute para realizar o maior protesto contra o governo libanês desde a eclosão, ocorrida na última semana, de uma revolta popular no país árabe.
Motivadas inicialmente pela falta de coleta de lixo em Beirute e arredores, as manifestações se transformaram, neste fim de semana, em um clamor generalizado contra as chamadas “corrupção e disfuncionalidade” do governo libanês, que vem sendo incapaz de propiciar serviços de qualidade à população e não dá mostras de que melhorias serão alcançadas a curto prazo.
O protesto teve início às 18h (horário do Líbano, 12h em Brasília) de maneira pacífica, em uma marcha que se direcionou da praça dos Mártires, no coração de Beirute, até a frente do Grand Serail, o palácio que abriga o escritório do primeiro-ministro libanês, Tammam Salam. Gritos de “saura!” (a palavra árabe para “revolução”) foram entoados constantemente pelo público, composto tanto por cristãos, quanto por muçulmanos.
Um tumulto começou quando um grupo de cerca 30 homens, a maioria com os rostos cobertos com camisetas, chegou à frente do edifício governamental jogando bombas de pequeno impacto na rua. Em poucos minutos, os explosivos começaram a ser arremessados para dentro do jardim do palácio ministerial, caindo perto de um veículo blindado estacionado lá dentro.
O mesmo grupo tentou arrancar a enorme rede de arame farpado que separa o edifício da rua, ensaiando uma invasão ao Grand Serail, mas sem sucesso. Um dos homens mascarados foi erguido nos ombros de um companheiro e gritou para os ouvintes: “Vocês não querem revolução? Vamos fazer a revolução!”, e pulou no chão para continuar tentando arrancar a barreira cortante.
Alguns manifestantes gritaram palavras de apoio ao ato, enquanto outros tentaram impedi-lo. Forças segurança posicionaram canhões d'água contra a multidão.
Porém, depois de entrar em confrontos com manifestantes no último fim de semana, que resultaram em quase 500 feridos, a polícia libanesa se absteve, pelo menos até o momento, de reprimir o protesto com violência.
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Presente na manifestação de hoje, o jovem Haider Ali, de origem xiita, disse que “todos os políticos do Líbano são corruptos, tantos os muçulmanos como os cristãos”. “Estamos sem saída. Vivemos em um país rico, com recursos naturais, mas que está sendo roubado todos os dias. A única solução é derrubar esse governo, seja como for”.
Paralisia governamental
O corpo político do Líbano se encontra em uma espécie de paralisia causada por disputas que opõem os dois grupos que dominam o Parlamento local: a Aliança 8 de Março (dominada pelos cristãos do Movimento Patriótico Nacional e membros dos grupos xiitas Hezbollah e Amal) e a Aliança 14 de março (onde predominam os muçulmanos sunitas do Movimento Futuro e outros grupos cristãos maronitas).
Por causa de tais desavenças, o Parlamento não consegue eleger um presidente para o Líbano desde maio de 2014, além de ser incapaz de chegar a um consenso para resolver os problemas de fornecimento de energia, abastecimento de água e administração do lixo que castigam o país.
Tais problemas estão relacionados, segundo muitos estudiosos do Oriente Médio, ao sistema sectário que rege a política no Líbano, garantindo cotas no poder para cada uma das 18 seitas religiosas do país. Na nação árabe, por exemplo, o presidente deve ser cristão maronita, o primeiro-ministro deve ser muçulmano sunita e o presidente do Parlamento, muçulmano xiita. Os ministérios também são divididos entre as confissões religiosas.
“É um sistema que pode proporcionar uma relativa paz entre as seitas do Líbano, principalmente enquanto há guerras civis destruindo países vizinhos como a Síria e o Iraque”, avalia Paul Salem, vice-presidente da organização Middle East Institute, que estuda a geopolítica do Oriente Médio. “Mas é também uma forma de governo que empodera chefões religiosos que estão mais preocupados em dividir as benesses do poder entre si do que atender às necessidades dos cidadãos”.
Para Salem, “o povo libanês está fazendo sua parte em exigir uma melhor governança” e uma das soluções seria “descentralizar mais o governo, dando mais poder às municipalidades [que poderiam, por exemplo, lidar com a coleta de lixo], e também criar uma forte entidade para fiscalizar casos de corrupção”.
Para Sahar Atrache, analista sênior da entidade Internacional Crisis Group, que estuda situações de crise em países do mundo inteiro, “é muito fácil para políticos libaneses criarem uma divisão nos movimentos de protesto [a presença dos 'black blocs' causando tumulto nas manifestações, por exemplo, também sido a atribuída a alguns partidos políticos que teriam a intenção de deslegitimar os protestos]”.
“Os protestos podem ficar divisivos, e há diferentes grupos que podem levar a questão para a parte sectária, o que pode ser muito perigoso”, diz Atrache.
Vale lembrar que a praça dos Mártires, ponto de encontro da manifestação deste sábado, foi palco de intensos confrontos armados durante a Guerra Civil Libanesa (1975-1990), que opôs as diferentes confissões religiosas do país. O principal símbolo da praça é uma escultura que ainda se encontra cravada de balas, como uma lembrança do conflito que, durante 15 anos, destruiu o Líbano.