O Brasil assume a presidência do G20 — grupo que reúne as 21 maiores economias do mundo — atrás de novas fontes de financiamento para políticas de combate à fome e à mudança do clima. A ideia é viabilizar uma arquitetura financeira que mobilize centenas de bilhões de dólares para o patrocínio de ações testadas com sucesso na redução da pobreza e das desigualdades, além de investimentos consistentes em energias renováveis e contenção das emissões.
O esforço inclui um mapeamento que já começou a ser feito dos recursos disponíveis nos bancos de desenvolvimento e fomento do bloco, além da discussão sobre regras que direcionem a participação do sistema financeiro em iniciativas de negócios com foco na transição energética.
Por exemplo, um banco pode até financiar um projeto de energia fóssil, desde que o compense com recursos para outro, renovável. É o chamado alinhamento de fluxos internacionais para políticas de combate à mudança do clima, previsto desde o acordo de Paris.
À pobreza e ao clima, soma-se pauta cara ao governo brasileiro: a necessidade de reforma da estrutura de poder da governança global de modo que os processos decisórios das instituições internacionais reflitam as vozes dos países de acordo com a atual configuração do seu peso geopolítico.
“É questão de representatividade e legitimidade”, afirmou uma fonte no governo brasileiro. O tema remonta às origens do G20, criado justamente para que as nações mais influentes do globo encontrassem solução de consenso para a crise asiática que abalou o sistema financeiro internacional, em 1999.
Os três eixos de atuação da presidência brasileira serão apresentados na primeira rodada de reuniões de alto nível do bloco entre os dias 11 e 14 de dezembro, em Brasília. Uma novidade é que, neste período, será realizado um primeiro encontro de sherpas (os emissários presidenciais) e vice-ministros de Finanças, todos juntos.
Tradicionalmente essa reunião só aconteceria às vésperas da cúpula de chefes de Estado e de governo, que marca o fim da presidência rotativa, quando se apresentam os resultados das negociações. A do Brasil será realizada no Rio de Janeiro entre 18 e 19 de novembro de 2024.
Consensos em um mundo dividido
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está convencido de que começar os trabalhos coordenando os braços financeiro e político do G20 logo no início das negociações em uma grande reunião de alto nível deve impulsionar a agenda.
Lula sabe que não é fácil ir atrás de consensos em um mundo dividido. O conflito na Ucrânia, por exemplo, opõe diretamente países dentro do G20. No caso do Oriente Médio, a diferença interna se evidencia pela proximidade dos Estados Unidos com Israel.
Integrantes do governo admitem que a complexidade geopolítica vai obrigar o Brasil a “navegar em águas turbulentas” e, por isso, afirmam que Lula, que participou do G20 desde sua formação em 1999, quer que o grupo retome sua missão primeira de equacionar problemas. Assim pretende driblar, na medida do possível, a espinhosa agenda geopolítica e seus pontos de atrito.
O presidente quer austeridade durante a organização da extensa agenda do G20 e pragmatismo na sua condução. Sob o tema “Construindo um mundo justo e um planeta sustentável”, o governo brasileiro quer costurar nos próximos 12 meses uma aliança global capaz de trazer respostas concretas a problemas reconhecidos por todos.
E está atrás de agenda mais progressista. Estão previstas cerca de 130 reuniões em 15 cidades brasileiras que devem receber pelo menos 5.000 delegados, negociadores e altas autoridades até o dia 30 de novembro, quando a presidência do bloco será passada à África do Sul.
O início da presidência brasileira será marcado no dia 1 de dezembro, quando serão projetadas no Museu da República, na capital federal, imagens com o logotipo do G20, e dos temas que serão tratados ao longo do próximo ano. Haverá fotografias da floresta amazônica para mostrar o compromisso com a preservação, mas também dos cultivos sustentáveis das comunidades locais, que dependem da floresta para viver.
Palácio do Planalto/Flickr
Brasil recebe presidência do grupo das 20 maiores economias mundiais após mandato indiano
Lançamento oficial
O lançamento oficial do G20 no Brasil, contudo, acontecerá nos dias 21 e 22 de fevereiro no Rio Janeiro, na Marina da Glória, onde os chanceleres do bloco estarão reunidos pela primeira vez desde o início do recrudescimento dos conflitos no Oriente Médio.
Eles terão um segundo encontro em formato inédito para o G20 às margens da Assembleia Geral da ONU em Nova York, em setembro de 2024. Essa é outra inovação. Tem por objetivo chamar a atenção para um fórum de países com uma composição mais condizente com a realidade geopolítica contemporânea.
Na mesma sequência, o encontro dos ministros de Finanças do bloco, ou o G20 financeiro, será em São Paulo, no prédio da Bienal, entre 26 e 29 de fevereiro.
Ao final da presidência brasileira, Lula quer novos mecanismos financeiros que viabilizem de uma vez por todas o financiamento da transição energética em países em desenvolvimento, como já estava previsto no acordo do clima de Paris.
Recentemente, o presidente insistiu que quem mais contribuiu historicamente para o aquecimento global deve arcar com os maiores custos de combatê-lo. Esta, segundo ele, é uma dívida acumulada ao longo de dois séculos.
Desde a COP15, realizada em Copenhague, em 2009, os países ricos se comprometeram com aportes de US$ 100 bilhões por ano em financiamento climático às nações em desenvolvimento, promessa que ainda não foi cumprida.
A depender de quem faz a conta, o custo da inação e do impacto dos fenômenos climáticos extremos, cada vez mais frequentes, varia. Mas é certo que são imensos. A ONU calcula que as 55 economias mais vulneráveis às mudanças climáticas tiveram perdas e danos de mais de US$ 500 bilhões.
O contexto factual deste G20 é pior do que o enfrentado pela presidência indiana, que acaba de ser encerrada, admite um negociador, mas em termos concretos a presidência brasileira tem mais chances de obter resultados.
Isso porque a participação do Brasil foi importante na redação do comunicado final da cúpula em Deli, após mensagem virulenta contra a Rússia um ano antes, por pressão do G7, na declaração divulgada após a cúpula de Bali. Moscou teria se sentido humilhada e se insurgiu na Índia.
“Se em Bali foi 1×0 para o G7, em Deli, o placar foi para 1×1”, disse outro negociador. Isso não significa que a mensagem tenha sido branda, segundo ele. “Mas os parágrafos de 7 a 14 do documento de Deli que condenam o conflito podem ser usados como meio de resolver impasses na presidência brasileira”, afirmou.
Ampliação dos BRICS
Outra questão de pano de fundo do G20 este ano será a ampliação do BRICS (agora mais sinocêntrico) a partir da inclusão de seis novos membros plenos: Irã, Arábia Saudita, Egito, Argentina, Etiópia e Emirados Árabes. A nova configuração que Xi Jinping chamou de histórica em em vigor a partir de janeiro de 2024 confirma a ideia de que a China estaria se fortalecendo em suas alianças contra o Ocidente.
Esta é primeira vez que o Brasil assume a presidência do G20 desde que o bloco deixou o formato ministerial para reunir também chefes de Estado e governo a partir de 2008.
O grupo é formado por 19 países (Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, França, Alemanha, Índia, Indonésia, Itália, Japão, República da Coreia, México, Rússia, Arábia Saudita, África do Sul, Turquia, Reino Unido e Estados Unidos) mais a União Europeia e, desde este ano, a União Africana. Juntas, as nações do G20 representam cerca de dois terços da população mundial, 85% do PIB global, mais de 75% do comércio.