Venezuela e Guiana tiveram o segundo encontro nesta quinta-feira (25/01) no Palácio do Itamaraty, em Brasília, na esteira das discussões em torno da região de Essequibo. Mediada pelo ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, a reunião durou cerca de 7 horas e terminou com um comunicado do Ministério das Relações Exteriores do Brasil afirmando que as negociações vão continuar.
Para o professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UNB), Roberto Goulart Menezes, a mediação do Brasil é importante, mas coloca o país em uma situação que consome energia política do governo Lula.
“O Brasil tem questões internas que exigem do Brasil um esforço. Tivemos uma tentativa de golpe de Estado 7 dias depois da posse do Lula. Então, o presidente não tem tanta energia política para gastar em um assunto das relações externas”, disse o professor.
Em declaração conjunta emitida pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil, os dois países reforçaram o compromisso assumido na Declaração de Argyle, em dezembro de 2023, de manutenção das negociações de maneira pacífica.
No encontro desta quinta no Itamaraty, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Guiana, Hugh Todd, e o ministro das Relações Exteriores da Venezuela, Yván Gil, apresentaram propostas de agenda para o trabalho da Comissão Conjunta, que serão discutidas em uma próxima reunião que deverá ser no Brasil.
O chanceler venezuelano disse que a reunião “foi um passo a mais no diálogo diplomático”. Segundo ele, foram discutidas possibilidades em torno das controvérsias territoriais em torno de Essequibo.
Para o professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), Gilberto Maringoni, essa é uma questão que ainda vai se arrastar ao longo de 2024, algo que é bom tanto para a Venezuela, quanto para a Guiana.
“É possível que essas conversas se prolonguem por meses, até depois das eleições na Venezuela, o que é bom para o Maduro, porque nas eleições ele vai dizer que está lutando pela reunificação. Para a Guiana também não é ruim, porque prolonga um debate pelas vias diplomáticas”, afirmou o professor.
Brasil como mediador
Maringoni destaca que é importante para o Brasil se colocar como um articulador, mas a situação é difícil de ser resolvida.
“O fato de ter trazido para Brasília é importante porque coloca o Brasil como articulador continental em um momento que isso está sob ataque do governo argentino. Isso é um xadrez muito importante. Tem uma situação tensa internamente, mas é uma situação dificil de haver entendimento”, afirmou.
Twitter/La Tercera
Brasil assume protagonismo e terá de gastar energia na mediação entre Venezuela e Guiana, dizem especialistas
Já para o professor Menezes, esse tema coloca uma agenda negativa que o governo Lula não gostaria de estar resolvendo.
“A prioridade do governo era discutir a integração regional, não uma agenda negativa. Além das questões internas, as relações na América do Sul estão dificultadas com o Javier Milei [presidente da Argentina]. O Lula não consegue colocar nessa discussão da Guiana uma agenda positiva porque é algo muito complicado”, afirmou.
Para Menezes, a atuação de Lula de aproximação foi fundamental para não reforçar o isolamento do país vizinho e trazer a Venezuela para a diplomacia internacional, mas o governo tem que evitar um custo político maior do que o gasto de energia.
Agora que entrou na questão, o Brasil tem que continuar negociando. O Lula sempre colocou o território brasileiro à disposição para negociações, mas não é por isso que ele vai conseguir. O governo brasileiro não pode se deixar ser instrumentalizado pela Venezuela, porque aí seria um custo muito alto para a diplomacia brasileira”, afirmou.
Referendo e interferência externa
O governo venezuelano realizou em dezembro de 2023 um referendo para discutir a questão. Os venezuelanos responderam 5 perguntas se concordam com Caracas sobre como lidar com a disputa sobre o território.
Dos 10,5 milhões de eleitores que participaram do referendo, 95,93% foi favorável às decisões do governo venezuelano. Apenas 4,07% discordaram da proposta.
Logo depois do referendo, os Estados Unidos realizaram exercícios militares na Guiana por meio do Comando Sul. O Reino Unido também enviou um navio de guerra para a região.
Yvan Gil também disse ser preciso evitar a participação de terceiros que não estejam ligados à questão, como os Estados Unidos e o Reino Unido. Ele também defendeu o resultado do referendo venezuelano.
Essequibo tem 160 mil km² e está nos limites fronteiriços dos estados venezuelanos Bolívar e Delta Amacuro com o Rio Essequibo. Tem cerca de 120 mil habitantes e baixa densidade demográfica, já que em sua maioria é formado por florestas. Para a Guiana, a região representa dois terços de seu território, mas para a Venezuela a zona faz parte de suas fronteiras e teria sido roubada pelo domínio britânico quando o país vizinho ainda era uma colônia do Reino Unido.