Quase duas semanas depois que a Organização Mundial de Comércio (OMC) autorizou o Brasil a aplicar retaliações aos Estados Unidos por conta dos subsídios ao algodão, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva não fez nenhum anúncio sobre o caso. O atraso, porém, não deve ser interpretado como uma hesitação do país, disse hoje o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, em entrevista coletiva com correspondentes internacionais, no Palácio do Itamaraty, no Rio de Janeiro.
“O Brasil ganhou o direito de aplicar represálias contra os Estados Unidos na OMC, e o exercerá”, insistiu o chanceler, explicando que o governo precisava estudar com cuidado as diversas possibilidades de retaliação. “Nosso objetivo não é o castigo ou a vingança, mas estimular que os Estados Unidos corrijam suas políticas e as adaptem em conformidade com a OMC”, afirmou.
Segundo ele, a escolha dos artigos depende de dois fatores. Primeiro, “são produtos para os quais o Brasil tenha alternativas, seja através da substituição por uma produção local ou pela importação de outros países, para não prejudicar a economia brasileira”. O segundo ponto é a preferência por itens ou serviços que possam ter “mais influência” no governo de Estados Unidos, para que este elimine os subsídios ao algodão. “Queremos apenas a restauração da legalidade”, ponderou.
Marcelo Sayão/EFE
Ministro Celso Amorim diz que Brasil aplicará retaliações aos Estados Unidos
Acordos multilaterais
O chanceler admitiu que o tema poderá surgir durante a próxima reunião com os norte-americanos, daqui a uma semana, em Brasília, embora o assunto principal seja a Rodada de Doha. Amorim considera que Washington deve suavizar a posição em relação à discussão. “Hoje, são os únicos que pedem uma mudança do pacote proposto em julho. Se começar a mudar, vamos entrar em novas negociações por pelo menos três ou quatro anos, e não acho que seja bom para a economia mundial, inclusive para os Estados Unidos”, disse.
Segundo Amorim, a decisão da OMC demonstrou a superioridade de acordos multilaterais sobre acordos bilaterais. “Enquanto o Brasil ganhou o direito de se defender contra os Estados Unidos por conta dos subsídios de algodão, o México não tem nenhum instrumento para lutar contra os subsídios ao milho norte-americano, que destruíram sua agricultura”, esclarece.
A contraposição entre Brasil e México, duas economias comparáveis, é válida. O Brasil, que não aceitou abrir totalmente o mercado interno e diversificou as exportações, foi menos afetado pela crise econômica e voltou a crescer. Já o México deverá conhecer este ano uma recessão entre 6 e 10 pontos do produto interno bruto. O chanceler conclui dizendo que “os países emergentes que fizeram acordos bilaterais com países ricos são os que mais sofreram com a crise”.
Mecanismo de compensação
Da mesma maneira, o chanceler repetiu que os países ricos terão que assumir suas responsabilidades em relação à redução de emissões de gases poluentes. “Não podemos ter uma posição idealista enquanto os outros países querem proteger suas indústrias, adotar medidas protecionistas, procurar manter as matrizes energéticas tradicionais e um modelo econômico baseado no carvão”, alertou.
Amorim considera que os mecanismos de compensação de emissões podem ser interessantes, e que o Brasil os usará para fazer sua parte, mas insistiu sobre o fato que as nações mais industrializadas não podem, com a compensação, “continuar comprando o direito de destruir a atmosfera”, em vez de assumir objetivos para reduzir as emissões. “É uma equação impossível, na qual os países pobres teriam que reduzir as emissões em uma proporção muito maior para alcançar os objetivos globais”, sublinhou.
O ministro assegurou que o governo apresentará metas quantitativas concretas para a redução de emissões de gases poluentes na Conferência sobre Mudança Climática das Nações Unidas que se realizará em Copenhague, entre os dias 8 e 17 de dezembro, e tentará conseguir um novo acordo mundial que substitua o Protocolo de Kyoto, concluído em 1997. “O Brasil não vai se esconder atrás de ninguém, nem ninguém vai poder se esconder atrás do Brasil”, resumiu.
Parceria estratégica
Interrogado sobre o anúncio feito pelo presidente Lula da compra de aviões caças franceses antes mesmo do relatório das Forças Armadas brasileiras, o chanceler reiterou a preferência pela opção francesa por razões técnicas e políticas. “Estruturalmente, temos interesses semelhantes na geopolítica mundial com a França”, explicou.
Segundo ele, ambos os países têm uma vocação natural para defender a multipolaridade. Amorim elogiou a “aliança estratégica com uma potência tecnologicamente avançada que tem independência, e cujo executivo possa tomar decisões que serão cumpridas, o que nem sempre acontece com outras nações”.
Ele reconheceu, porém, que o acordo ainda não estava fechado, já que o preços dos caças “deixava a desejar” e tinha de ser negociado, assim como as condições de financiamento. O ministro lembrou que a decisão final dependia de Lula. “A última palavra é do presidente da República, ouvindo, obviamente, o Conselho de Defesa Nacional”, conclui Amorim.
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