A série de protestos ocorridos no Chile nos últimos quatro
meses, em que estudantes pedem a reforma do sistema educacional e a volta do
ensino superior gratuito, demonstra o esgotamento de um modelo “privatista” de
educação universitária que foi implantado em alguns países nas últimas décadas.
Essa á a opinião do pesquisador Fabio Betioli Contel, que lança, ao lado da
socióloga Manolita Correia Lima, o livro Internacionalização
da educação superior (Alameda Editorial, 536 páginas, R$ 68,00).
Efe
Mercantilização do ensino, como demonstram protestos no Chile e na Inglaterra, dá sinais de exaustão
Na obra, os autores criticam o modelo definido por critérios
mercadológicos — que levou, por exemplo, aos protestos contra o aumento das taxas
anuais de empréstimo estudantil nas universidades inglesas — e defendem uma “universalização
cooperativa”.
“O que nosso livro preconiza é uma forma de organização da
internacionalização oposta a este modelo privatista”, diz Contel, em entrevista
concedida ao Opera Mundi por email. “É preciso criar solidariedades regionais
com pautas voltadas para interesses públicos nacionais, e que sejam ao mesmo
tempo estratégicos para o desenvolvimento dos países latinoamericanos como um
todo”, defende.
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O livro analisa diversos períodos de implementação de
políticas de intercâmbio de conhecimento em sete países (Estados Unidos,
Grã-Bretanha, Austrália, Canadá, França, Brasil e Chile). “A
internacionalização é um dado que faz parte do DNA das universidades, já que o
conhecimento –meio e fim das universidades– tende ao universalismo; por isso a
internacionalização em moldes cooperativos não só é desejável, como necessária,
se quisermos construir uma globalização solidária”, comenta Contel.
Os dois pesquisadores avaliam que a principal causa dessa
internacionalização desigual e hierárquica existente hoje entre as
universidades dos países ricos e as nações subdesenvolvidas é que seus
critérios são eminentemente mercadológicos, definidos por organismos comerciais
e financeiros, como a OMC e o Banco Mundial. “Obviamente não podemos esperar do
Banco Mundial soluções de caráter universal. Nenhuma instituição financeira
vinculada a interesses dos países centrais pode ajudar na consolidação de
sistemas nacionais de ensino superior nos países periféricos”, afirma o geógrafo.
“Pelo contrário, sua ação é em grande parte determinada por raciocínios
eminentemente contábeis, tendo nos mecanismos de mercado o grande elemento de
definição das políticas”, observa.
Contel afirma ainda que uma internacionalização não subordinada
seria possível se governos e dirigentes universitários de países como o Brasil
tivessem vontade política para “aumentar as solidariedades acadêmicas”, o que
seria favorecido pelas relações acadêmicas sul-sul, menos hierarquizadas que os
intercâmbios norte-sul. “Isto significa trabalhar para a criação de redes de
pesquisa regionais sólidas, de revistas indexadas que dêem maior visibilidade a
esta produção, e instalação de programas de cooperação universitária de longo
prazo”, diz.
Na relação acadêmica com os países centrais, os autores
defendem uma postura pragmática das políticas de internacionalização a serem
implementadas nos países periféricos, com o objetivo de suprir carências em
áreas específicas de acordo com os projetos nacionais e regionais destes
países. Além disso, “é preciso fazer com que o investimento em pesquisa aplicada
“saia” das universidades públicas, e seja financiado também pelas empresas dos países
semi-periféricos”, afirma Fabio Contel.
Assimilação
Questionado sobre as implicações do processo de
internacionalização hoje em vigor sobre a mão-de-obra formada nos países
periféricos, Fábio acrescenta que “ainda que uma formação acadêmica que
contemple um estágio no exterior soe interessante do ponto de vista individual,
pode ter consequências indesejáveis para o país de origem do estudante”.
“Ao regressar do período de estudos — quando regressam — os alunos
emigrados trazem consigo, em primeiro lugar, o aprendizado da língua do país
hospedeiro que, por sua vez, traz embutido padrões culturais, estéticos e de
comportamento típicos do país hospedeiro. Em segundo lugar, a imersão no
sistema cultural do país hospedeiro interfere também nas referências políticas
e na formação ideológica do estudante que, ao retornar, acaba funcionando como
uma espécie de ‘embaixador’ informal dos países hospedeiros”, critica.
Contel destaca que esse processo de “assimilação” pode ser ainda mais perverso em nações
de descolonização recente, como é o caso da maior parte dos países africanos
e do sudeste asiático.
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