Debatendo sobre o histórico da ordem mundial e os papéis de países-potências econômicas, a China é um “ator global” que impulsiona o “crescimento econômico em várias regiões do mundo”, avaliam os pesquisadores do dossiê “Olhando em direção à China: a multipolaridade como oportunidade para os povos da América Latina”.
O documento, produzido pelo Instituto Tricontinental de Pesquisa Social, tenta “recuperar e atualizar” os conceitos sobre as “oportunidades oferecidas pela China para debater um novo tipo de integração regional”.
Dessa forma, resgatando as ordens mundiais através dos anos, analisando o “declínio” dos Estados Unidos como potência mundial influente e traçando o histórico da ascensão chinesa, pesquisadores do Instituto Tricontinental em parceria com a Secretaria Operativa da Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (Alba) e o Coletivo Dongsheng ponderam a importância da China como atuante de integração no continente latino-americano.
Os autores do documento afirmam não haver uma “causalidade direta” entre a emergência da Ásia oriental e o início da “crise de hegemonia” norte-americana. Porém, mencionam tal situação como uma consequência simultânea à “intensificação da estratégia chinesa de disputa por uma nova ordem mundial com características multipolares”.
“A emergência da China reduz ao mínimo o espaço para projeções de unipolaridade em todas as suas formas e é aí que se abrem janelas de possibilidades na periferia do mundo”, aponta o Instituto.
“Emergência da Ásia Oriental”
Como afirmam os acadêmicos, desde a revolução liderada por Mao Zedong, conhecida como “Revolução Cultural Chinesa”, a China trabalhou na reconstrução de diversos setores, tanto da sociedade quanto econômicos, permitindo a ampliação de estratégias que priorizassem necessidades populares, redução de pobreza e inclusão.
Desta forma, o país asiático tornou-se o único “realmente emergente com graus completos de soberania e sem entrar em uma dinâmica de desenvolvimento capitalista por etapas” – completam os especialistas ao defenderem que a China teve um modelo de progresso próprio.
Wikimedia Commons
Para os pesquisadores, esse novo contexto evidencia uma “globalização que dê conta do multipolarismo”
“A China, de fato, seguiu seu processo próprio de desenvolvimento, que combina uma ‘revolução industriosa’ baseada em uma cultura de divisão social de trabalho e descentralização em pequena escala, com um planejamento socialista de perspectivas estratégicas”, completa o documento.
América Latina para a China
Em 2013, em uma visita do presidente chinês Xi Jinping ao Cazaquistão, o projeto Nova Rota da Seda, também chamado de “Iniciativa do Cinturão e Rota” (ICR), foi anunciado como uma forma de integração do leste da China com os países da Ásia Central e Europa.
Segundo definição do Instituto, a partir de dois eixos centrais, o projeto chinês procura o desenvolvimento de uma rota terrestre ligando a China ao Paquistão, Afeganistão, Turquia, Rússia, Cazaquistão, Turcomenistão, Quirguistão, Uzbequistão, Tadjiquistão e Europa, através dos Balcãs até chegar à França (centralmente, via trens); e o aprofundamento de uma rota marítima para a América Latina, África e Oriente Médio, o que implica a instalação de portos comerciais nos oceanos Índico, Pacífico e Caribe.
Com o avanço do projeto, as rotas marítimas adicionaram o Sudeste Asiático, o Oceano Índico e o continente africano à estratégia chinesa. Desde 2018, a América Latina passou a integrar os planos orientais para a Rota da Seda.
Segundo o documento, “embora a China tenha priorizado a região da Eurásia em sua fase inicial e o desenvolvimento da ICR tenha seu ponto nodal nessa região do mundo, a importância da América Latina e do Caribe (ALC) vem aumentando”, vide a Argentina, em fevereiro, firmar um protocolo de acordo para a entrada na Nova Rota da Seda.
Desde então, os investimentos da China na América Latina vêm aumentando. De acordo com o boletim estatístico de Investimento Estrangeiro Direto (2020), mencionado pelo documento, 10,8% dos investimentos chineses no exterior são destinados aos países latino-americanos.
O dossiê avalia que tais relações econômicas da China, mesmo com países governados por líderes neoliberais, como no caso de El Salvador, com Nayib Bukele, “deixam de lado o caminho do desenvolvimento capitalista ocidental e implicam em outra globalização, e uma ruptura com a modernidade ocidental”.
Para os pesquisadores, esse novo contexto evidencia uma “globalização que dê conta do multipolarismo” e “um novo futuro multipolar que eleve a soberania das nações em desenvolvimento”.