Após uma década marcada pela ascensão da esquerda na América Latina, a região se prepara para uma nova série de eleições que pode mudar o equilíbrio regional. Em 2010, chilenos, colombianos e brasileiros escolherão seus presidentes. Na Venezuela, haverá eleição legislativa.
Entre 1998 (ano da eleição de Hugo Chávez na Venezuela) e 2009 (ano da eleição de Mauricio Funes em El Salvador e José “Pepe” Mujica no Uruguai), a maioria dos países da região tem escolhido governos progressistas.
Esta tendência é explicada principalmente pelo “fracasso dos modelos neoliberais dos anos 1980 e 1990 em termos de crescimento, equidade, inclusão social, eficiência e acessibilidade dos serviços privatizados”, analisa o especialista em América Latina francês Marc Saint-Upéry, autor de O Sonho de Bolívar, que trata da esquerda na região.
Saint-Upéry observa que a ascensão da esquerda também pode ser explicada por um fenômeno de “emergência plebeia” em quase todas as sociedades latino-americanas. A expressão foi cunhada pelo sociólogo boliviano Álvaro García Linera, – antes de se tornar vice-presidente de Evo Morales – para descrever “uma erosão do colonialismo interno e da hegemonia simbólica e política exercida pelas elites tradicionais”.
A transformação teve em muitos países, especialmente nos Andes, uma forte conotação étnica e racial. “Este fenômeno não favorece necessariamente a esquerda – por exemplo, foi usado pelo [ex-presidente Alberto] Fujimori no Peru – mas a esquerda conseguiu captá-lo durante os últimos anos”, acrescenta Saint-Upéry.
A transição para a esquerda demonstrou durante a última década ser mais que um episódio efêmero. O fato é evidenciado pela recente reeleição de vários líderes progressistas da região, ou a sucessão por candidatos do mesmo campo político.
Êxito contundente
No Equador, o presidente Rafael Correa foi reeleito em abril de 2009, após uma primeira eleição em novembro de 2006. No Uruguai, o ex-guerrilheiro Pepe Mujica conseguiu o desafio de manter a esquerda no poder em novembro passado, apesar do apoio fraco do seu antecessor, Tabaré Vázquez.
O êxito mais contundente foi registrado na Bolívia. Com uma enorme popularidade, o presidente Evo Morales conquistou 62% dos votos no primeiro turno – uma diferença de 35 pontos sobre seu adversário direitista, Manfred Reyes Villa. Além disso, o MAS (Movimento ao Socialismo), partido do presidente, também venceu as eleições parlamentares, conseguindo a maioria no Senado e na Assembleia Plurinacional.
Na Venezuela, o presidente Hugo Chávez ganhou facilmente o referendo constitucional sobre o fim do limite à reeleição para cargos públicos eletivos, em fevereiro de 2009. A consulta tinha sido apresentada tanto pelo presidente quanto pela oposição como um plebiscito a favor ou contra o governo. Os resultados mostraram que o presidente venezuelano era muito popular, especialmente entre as massas populares.
Cansaço
Em todos estes países, os eleitores demonstraram ser a favor de uma política social orientada para as classes mais pobres da população, de uma intervenção maior do Estado depois de duas décadas de ausência, de uma política cultural voltada para os povos indígenas e virando as costas às elites tradicionais, e também de um distanciamento em relação ao governo dos Estados Unidos.
A aprovação dessas políticas não significa uma continuação automática de candidatos à esquerda. Em vários países, precisam-se tomar em conta os efeitos do cansaço após anos de poder, mas também fatores estruturais.
Este é particularmente o caso do Chile, que abre o ciclo das eleições de 2010 já em 17 de janeiro. O país andino está em uma situação contraditória: a atual presidente Michelle Bachelet tem uma popularidade elevada (75%), especialmente por causa da sua política social. No entanto, faltaram apenas 430 mil votos para que o milionário Sebastián Piñera se elegesse no primeiro turno em 13 de dezembro passado. O representante da direita conquistou 44% dos votos contra o candidato governista, o ex-presidente Eduardo Frei, que atraiu apenas 30% dos votos.
Eixo da direita
Este resultado não significa que o Chile tenha oscilado para a direita. “A soma dos votos em favor de candidatos progressistas foi superior a 50% no primeiro turno”, explica Marta Lagos, que dirige o instituto Latinobarómetro, em Santiago. “Mas a divisão da esquerda e o cansaço em relação ao sistema político pode permitir uma vitória da direita”, acrescenta a cientista política. Se for o caso, seria a primeira vez que a direita volte à presidência chilena após o fim da ditadura de Augusto Pinochet, em 1990.
Além do impacto em termos de política interna, os assessores de Michelle Bachelet estão preocupados com a possivel criação de “eixo do Pacifico”, que poderia reunir os governos direitistas de Piñera no Chile, Alan García no Peru e Álvaro Uribe na Colômbia.
Esta última será uma outra eleição para prestar atenção. O presidente colombiano, principal aliado dos EUA na região, já deu um passo decisivo para reformar novamente a Constituição com o objetivo de ter o direito a tentar um terceiro mandato. O Senado e a Assembleia Nacional já aprovaram uma lei permitindo apresentar a proposta de referendo ao povo. Neste caso, é possível que, em maio, Uribe suceda a si mesmo.
Na vizinha Venezuela, a próxima consulta importante é a eleição legislativa. Em 2005, a oposição de direita decidiu boicotar as eleições com a ideia de provocar a condenação do voto pela comunidade internacional. A estratégia falhou, provocando a total ausência de oposição dos debates parlamentares, já que a Assembleia Nacional foi ocupada exclusivamente por deputados próximos ao chavismo, únicos candidatos.
Equilíbrio regional
Não será o caso este ano na eleição legislativa, cuja data não é ainda conhecida. A direita decidiu fazer campanha, aproveitando as divisões dentro do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), formado por Chávez. Os opositores esperam se beneficiar também da degradação situação econômica. Venezuela acaba registrar sua primeira recessão dos últimos cinco anos, com uma contração de 2,9% do produto interno bruto.
Finalmente, é a eleição presidencial no Brasil em outubro de 2010, que deve decidir o equilíbrio da região. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não pode ser candidato, uma vez que a Constituição proíbe mais de dois mandatos consecutivos. É provável que, em fevereiro, o congresso do PT (Partido dos Trabalhadores) escolha Dilma Roussef, atual ministra-chefe da Casa Civil, como candidata. Na oposição, o provável candidato da direita é o governador de São Paulo, José Serra (PSDB). O balanço econômico é positivo para a candidata governista, que deve também se beneficiar da enorme popularidade de Lula. O resultado depende também da polarização entre esquerda e direita.
Esta eleição é a mais vigiada por observadores estrangeiros. Este é o caso dos vizinhos diretos (Bolívia, Paraguai, Argentina, Venezuela), cujos governos progressistas receberam o apoio de Brasília durante os dois últimos mandatos. É também o caso dos Estados Unidos, que enfrentaram várias vezes nos últimos meses o governo Lula, especialmente sobre o golpe de Estado em Honduras e a instalação de bases militares americanas na Colômbia.
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